À praia
Estávamos no finalzinho
dos anos setenta ou início dos anos oitenta do século passado. Sem redes
sociais virtuais na época, não pudemos fazer um registro mais preciso. Íamos,
satisfeitos, à Vila-praia de Tibau (hoje Município de Tibau). Era mais uma dessas
excursões populares que nos levavam cedo, antes do amanhecer, e nos traziam de
volta no final do dia. Nosso ponto de partida era a cidade de Messias Targino.
Minha mãe Maria do Junco organizava o passeio, um verdadeiro deleite para a
época.
Nessa época os ônibus de
conhecida empresa potiguar já tinham a mania de apresentar defeito mecânico em
plena viagem. E foi o que aconteceu na rodovia RN 117, na zona rural de
Caraúbas. Do nada, o motorista parou o pesado veículo e já foi descendo como
quem sabia o que era. Foi resolver o problema, que lhe parecia familiar. Mas,
nem podíamos reclamar muito, pois a viagem no velho ônibus já era imensamente
mais confortável que outra que fizemos de caminhão também para lazer.
De Messias Targino ia
uma turma grande e animada. Meus primos, descendentes de Manoel Fernandes Jales
e Maria Cândida de Almeida, e mais alguns artistas locais, revezavam-se na arte
de tocar violão e cantar. Não por acaso muitos dos que iam ali já tinham sido
ou viriam a ser mais tarde vencedores do concurso “A Mais Bela Voz”, realizado
pela Rádio Rural de Mossoró e pela Rádio Rural de Caicó, e alguns até
enveredaram mesmo pelo mundo da música.
Empolgado, atrevi-me a
uma participação musical, no que fui repreendido – acertadamente – pelo primo
De Assis Almeida, que disse: “Neguinho de Maria do Junco, você não canta nada”.
Mas ele estava certo!
Enquanto se consertava o
ônibus, muitos aproveitaram para “iniciar os trabalhos” ali mesmo. E já foram
bebendo e comendo alguma coisa, mesmo ainda estando há quase cem quilômetros da
praia.
Feito o conserto,
seguimos viagem. A paisagem conhecida da mata de caatinga do sertão, que ladeava
a estrada, parecia diferente naqueles dias. Era o encantamento de quem – e falo
por mim – tinha a oportunidade de ir muito esporadicamente à praia. Naquele
tempo, nesse sertão hostil em tempos de seca, a ideia de ir à praia se
transformava numa grande alegria para meninos de pobreza franciscana, como eu.
Depois de algum tempo
passávamos por Mossoró, que já era – e continua sendo – a segunda maior cidade
do Estado potiguar. A relativa grandeza da Terra
de Santa Luzia também nos causava admiração. Mas Mossoró seria apenas um
divertimento a mais, secundário, nessa viagem. Tibau seria para nós naquele dia
a primeira ou segunda maravilha do mundo.
E finalmente chegamos ao destino mais aguardado.
Como quem se ocupa apressadamente de um território abandonado – que não era bem
o caso -, tomamos de conta de boa parte das areias da praia. Apossamo-nos. Acampamos
ali mesmo. Tínhamos que aproveitar o que a natureza nos dava gratuitamente
naquele instante. E não era pouca coisa. Era uma belíssima praia, com a vista
de um marzão à frente.
Em dias como aquele,
sentíamos que a vida tem valores riquíssimos, maiores que tudo, porém meio
esquecidos em tempos de agora. Com quase nenhum dinheiro, compartilhávamos
amizade, alegria, sinceridade e solidariedade, que deve existir também em
momentos de lazer.
O pôr do sol na
belíssima praia anunciava que deveríamos voltar. E já com saudade entrávamos no
velho ônibus, para refazermos o caminho de casa. A meninada tinha, a partir
dali, histórias e estórias para mais de mês de conversa. Como era bom!
À noite, chegávamos de
volta a Messias Targino. O passeio tinha sido inesquecível. Tinha sido um dia
de lazer sem nenhum luxo, mas de muita alegria. O luxo mesmo éramos todos nós,
pessoas simples que encontravam na pequena viagem de um dia um motivo para viver
ainda mais a felicidade.
Felicidade, aliás, é
algo que não tem preço, por mais que insistam que ela só vêm com as máquinas de
cartões de crédito.
Alcimar Antônio de
Souza