domingo, 8 de outubro de 2023

Aconteceu em Messias Targino

O padre

Messias Targino sempre foi um Município de gente muito acolhedora. Hospitalidade foi e continua sendo uma marca de conduta do povo messience.

Outra característica de Messias Targino é que, desde a sua fundação, ainda como Povoado do Junco, o lugar nunca foi sede de Paróquia. Mesmo após a emancipação política e administrativa do solo messiense em relação ao Município de Patu, a cidade de Messias Targino, na organização pastoral da Madre Igreja Católica Apostólica Romana, continuou vinculada pastoralmente ao Município-mãe de Patu, sendo assim parte da Paróquia de Nossa Senhora das Dores, sediada na terra do Santuário do Lima.

Todavia, nem por isso a Capela de Nossa Senhora das Graças, padroeira do povo messience, deixou de ter a sua enorme relevância para a vida religiosa, social e comunitária do lugar. Inclusive ela continua sendo o seu principal cartão-postal, juntamente com a Praça Central João Jales Dantas, que lhe está à frente.

De maioria cristã-católica ainda hoje, nos idos dos anos setenta e oitenta do século passado essa maioria era ainda mais expressiva no Município de Messias Targino.

Nesse cenário, o respeito à pessoa do padre e ao seu ministério sempre foi muito grande por parte do povo cristão-católico de Messias Targino.

Pois bem, nos anos setenta e oitenta do século passado, estávamos em um tempo de pouquíssimas tecnologias na área de comunicação social. Telefone móvel não existia. Computador era algo ainda desconhecido.

Tínhamos, mesmo, o bom e velho rádio, que nos mantinha informado, e a televisão, que, na ausência de uma antena repetidora local, exigia dos poucos proprietários desse aparelho na comunidade a habilidade de girar a antena caseira (aquela em forma de T) em busca de um sinal proveniente de Martins, Brejo do Cruz ou outro local que tivesse uma antena de captação e distribuição mais potente.

Existia também o posto comunitário da TELERN (sigla da empresa estatal Telecomunicações do Rio Grande do Norte), que dispunha de duas linhas de telefone fixo para ligações telefônicas de toda a comunidade.

Nesse contexto, de costumes sertanejos feitos à base da humildade, da hospitalidade e da boa-fé das pessoas, sem muitas formas de checagem instantânea de certos fatos, surgiu em Messias Targino, lá pelos anos oitenta do século passado, um novo padre. Não era o padre que estava em atuação na Paróquia de Nossa Senhora das Dores, de Patu, nem também era conhecido do povo.

Mas, chegando o sacerdote à cidade, ele se identificou, disse pertencer à Santa Igreja Católica, e logo passou a celebrar. Anunciou que ficaria na comunidade por um certo período, numa missão de evangelização.

Sem um padre constante na cidade, pois o pároco de Patu atendia a pelo menos cinco ou seis Municípios diferentes, a chegada desse sacerdote foi até festejada. Com área pastoral enorme para cuidar, o padre de Patu somente ia a Messias Targino no último domingo de cada mês e, excepcionalmente, se houvesse algum fato a ensejar a sua presença. Logo, a chegada de um padre para ficar dias seguidos na cidade parecia ser uma boa notícia.

De fato, com a chegada desse novo padre, a Capela de Nossa Senhora das Graças estava lotada, todos os dias, durante as celebrações.

Nessa época, a minha avó materna, Noêmia Maria de Almeida, era a zeladora da Igreja de Nossa Senhora das Graças, e a minha mãe, Maria José de Souza (Maria do Junco), era catequista e agente de pastoral. Muitos da família Almeida e de outras tradicionais famílias messienses tinham ativa participação no dia a dia da Capela de Nossa Senhora das Graças, como ainda acontece hoje.

O novo padre se instalou na Casa Paroquial, que fica ao lado da Capela de Nossa Senhora das Graças, e as suas refeições (café da manhã, almoço, jantar) ficaram por conta da enorme hospitalidade do povo messiense. Nesse período, é possível que ele tenha engordado bastante, diante da grande generosidade do povo, que não se cansava de fazer doações de alimentos ao novo pastor do rebanho. Frutas e queijos chegavam bastante à sede da Casa Paroquial.

Logo nas primeiras celebrações da Santa Missa, presididas pelo novo padre, perceberam-se pequenas alterações no rito. Não era nada tão destoante do que já se conhecia, mas eram mudanças.

Até aí, nenhum problema!

Problema mesmo foi quando se descobriu que o novo padre reunia jogadores de baralho habituais da cidade para sequências de partidas no interior da Casa Paroquial, todas as noites. A comunidade passou a estranhar. Um padre viciado em baralho?

Como o padre era novato, foi convidado e aceitou a missão para lhe fazer companhia na Casa Paroquial o então jovem Genésio Francisco Pinto Neto, o popular Pôla de Edite de Nejo, que anos à frente viria a se tornar líder sindical, vereador e vice-prefeito.

Certo dia, Pôla deixou vazar a informação que o novo padre guardava uma arma de fogo entre os seus pertences.

A informação não foi amplamente divulgada, mas chegou aos ouvidos das pessoas que estavam no dia a dia da Igreja de Nossa Senhora das Graças.

Sem nada dizer a ninguém, a catequista Maria do Junco procurou a sede da Diocese de Santa Luzia, em Mossoró, para colher informações desse padre.

Ao retornar à cidade, com a informação que foi buscar, Maria do Junco se deparou com a notícia da saída repentina e desavisada do novo padre. Foi embora de Messias Targino, sem mais nem menos, ou, anoiteceu e não amanheceu, como se diz popularmente.

A fuga tinha razão de ser. Realmente ele era padre, porém era sacerdote da Igreja Católica Apostólica Brasileira, que não é a mesma Igreja Católica Apostólica Romana, na qual professamos a nossa fé.

As celebrações na Capela de Nossa Senhora das Graças diminuíram, a Casa Paroquial deixou de servir de casa de jogo de baralho e a vida religiosa do lugar voltou ao normal.

Quanto ao “padre”, nunca mais ouvimos falar a respeito dele.

Alcimar Antônio de Souza