De olho na riqueza alheia
Alcimar Antônio de Souza
Um amigo me confidenciou: “Estou aliviado”. Perguntei: “Por
quê?”. "Finalmente Neymar fechou contrato com o Barcelona e até já se apresentou
ao time catalão”, disse-me.
Fiquei sem entender e insisti: “E o que você tem a ver com
isto?”. E ele prosseguiu: “Eu já não aguentava mais tanto leilão do Santos, da
empresa que detém parte dos direitos econômicos do atleta e do pai do jogador.
E já me deixava intrigado não saber o destino do craque: Barcelona, Real
Madrid, um time da Rússia...”
“Agora”, disse o amigo, “quem sabe ele volta a jogar alguma
coisa que preste, principalmente na seleção brasileira”.
Fui ver os fatos com frieza e constatei que a ansiedade do
amigo tinha razão de ser. Há mais de um mês, continuadamente, em todos os
programas esportivos e nos principais jornais, a mídia não falava noutro
assunto com o mesmo destaque. Neymar e os seus milhões de reais (agora de
euros) foi o principal assunto da “pauta jornalística” dos últimos tempos.
A lista dos pastores mais ricos, divulgada dia desses pela
revista Forbes, com nomes de peso como Edir Macedo, R. R. Soares, Valdomiro
Santiago, Silas Malafaia e outros, já havia caído no esquecimento. E olhe que
foi também bastante divulgada. Mas a riqueza de Neymar passou a dominar o
noticiário. E assim ficou por muito tempo.
Na sua apresentação ao Barcelona, a televisão brasileira,
principalmente a Rede Globo e a Rede Bandeirantes, deu ao fato um destaque
pouco visto noutros eventos, até mais importantes para a história da humanidade.
Aliás, o destino de Neymar não tem qualquer importância para a história da
humanidade, apesar de alguns quererem que pensemos que tem.
De fato, a mídia brasileira tem nos acostumado a preocupações
com a riqueza alheia. Somos induzidos a isso. O mesmo amigo me disse que já
perdeu as contas de quantas vezes teve que apurar se Eike Batista teve prejuízo
ou lucro. Num dia está mais rico, noutro dia está mais pobre. Bill Gates, idem.
Volta e meia ganha milhões ou bilhões de dólares de uma tacada só. Dias depois
perde a mesma quantidade num único movimento da bolsa de valores. O
apresentador de telejornal estufa o peito, capricha na voz e sapeca: “Eike
Batista está mais rico”, ou “Bill Gates” ficou mais pobre.
Aliás, tem mudado com muita frequência o primeiro lugar dos
homens mais ricos do mundo. Um dia é este, outro dia é aquele. A imprensa faz
questão de noticiar.
E olhe que o meu amigo nem assiste a “Mulheres Ricas”, aquele
programa da TV Bandeirantes que mostra uma vida de luxo de mulheres ricas e
poderosas, nenhuma delas trabalhadora (de onde vem a riqueza mostrada?). Ele me
disse que, por não fazer parte do público alvo do programa, sente-se até
aliviado de não ter que acompanhar e se preocupar com a fortuna dessas mulheres.
Infelizmente, diante de tantos problemas sociais e políticos graves,
que afligem o povo brasileiro todos os dias, somos levados a preocupações que
em verdade não nos deveriam interessar. Corrupção, aumento da violência, tráfico
ilícito de drogas, a destruição social imposta pelo crack, falta de políticas
para o combate aos efeitos da seca no Nordeste brasileiro, exploração sexual
infanto-juvenil, desajuste das famílias, serviço de saúde na UTI, problemas na educação,
destruição do meio ambiente pelos donos do capital e vários outros temas
deveriam pautar o noticiário de rádios, jornais, televisões e mídia
alternativa. Estes temas, sim, têm relevância.
Mas, noticiar quem está mais rico, mostrar as mansões e a boa
vida de jogadores de futebol e artistas, tudo isso só faz nascer um
sentimento de revolta social em quem está lá nos grotões sociais, esquecido pelo
Poder Público, que nunca chega lá com as políticas públicas esperadas.
Mas, voltando ao amigo, tomei a liberdade de o aconselhar: “Homem,
deixe essa riqueza alheia pra lá. Vá cuidar da sua vida. Abra o jornal
impresso, que é menos afeito ao tema – riqueza dos outros – e tem mais os fatos
ligados ao meio em que vivemos”.
Dias depois encontrei o sujeito e ele já foi me dizendo: “Mudei.
Não me interessa mais saber qual é o jogador de futebol mais caro, nem qual é o
pastor evangélico mais rico, nem qual foi a oscilação da riqueza de Eike
Batista ou Bill Gates. Agora estou cuidando do que é meu”.
“Até que enfim”, disse ao amigo. “E então, voltou a fazer o
que sabe, a trabalhar no seu ofício?”, perguntei.
“Não!”, disse-me ele, que prosseguiu: “Vendi
minha moto, juntei mais algum dinheiro e estou em dúvida quanto à aplicação.
Não sei se invisto na Telexfree, no BBom, na Nnex ou na Multiclik”.