O Ofício
27 de novembro é o
dia dedicado a Nossa Senhora das Graças, uma das muitas denominações dadas pela
Igreja Católica a Maria, a Mãe de Jesus Cristo. Ela é a Padroeira de diversos
Municípios do Rio Grande do Norte, incluindo-se Messias Targino, além de dar o
nome a diversas Paróquias espalhadas pelo Estado.
Em 2023, a festa
cristã-católica alusiva à Maria Santíssima trouxe-me uma recordação de
infância, que graças a Deus nunca me saiu da lembrança. Pela correria do cotidiano, fui adiando o dia do registro, até que, nesses dias, novamente diante da
Capela de Nossa Senhora das Graças, senti que preciso compartilhar essa
recordação.
Em Messias
Targino, meu principal ponto de moradia foi a casa de minha avó materna Noêmia
Maria de Almeida, ou Noêmia de Soro (apelido de seu pai Manoel Fernandes
Jales), ou Noêmia da Igreja (referência ao seu trabalho de zeladora da Capela
de Nossa Senhora das Graças, por décadas).
A minha casa, na antiga
Rua João Jales Dantas, agora Avenida Genuíno Fernandes Jales, estava localizada
em frente à Praça Central João Jales Dantas e a poucos metros da Capela de
Nossa Senhora das Graças.
Nessa época eu
ainda dormia cedo, e, por consequência, também acordava mais cedo.
Em todos os dias
da semana, eu geralmente acordava instigado pelo cheiro do café que a minha avó
fazia, num fogão a base de lenha, encravado na arquitetura rústica e simplória
da cozinha, que ficava a poucos metros da sala onde eu costumava espichar a minha
rede, bem ao lado da rede da minha avó, a quem sempre fui muito apegado e por
quem sempre fui muito protegido.
O café da minha
avó era aquele comprado em grãos, que ela pisava num pilão de madeira de cerca
de um metro de altura e depois torrava num grande tacho, no velho fogão a
lenha.
Mas, aos sábados,
eu era acordado por outro motivo. Não era o aroma do café que me puxava da
surrada rede.
Dormindo a uma
curta distância da Igreja de Nossa Senhora das Graças, de lá eu ouvia uma
música lindíssima, uma entoação afinada, uma prece em forma de cânticos. Eram a
minha avó Noêmia, minha mãe Maria do Junco, minha tia Rita, minhas tias-avós
Áurea, Antônia e Sebastiana, minha “tia” Basta (Basta de Tonho de Rafael),
minha “tia” Zira e várias outras mulheres da comunidade cantando o Ofício de
Nossa Senhora das Graças.
Sim, o Ofício de
Nossa Senhora das Graças, cantado, era uma tradição bastante comum na época.
Se atentarmos para o entendimento de
que Canto Gregoriano é o canto litúrgico próprio da Igreja Católica, ou um gênero
de música sacra cristã que tem suas raízes em tradições musicais judaicas de
recitação salmódica, então podemos dizer que estávamos diante (ou a poucos
metros, no meu caso) de autênticos cânticos gregorianos, entoados por pessoas
humildes, de religiosidade e fé inabaláveis.
Cantavam mais com a alma do que com
a voz, de tão linda que era aquela entoação. Brincavam de fazer primeira e
segunda vozes, com estilo inigualável. Minha tia-avó Antônia Almeida (Toinha de
Soro), por sinal, fazia uma segunda voz de causar inveja a muitos cantores
profissionais.
Numa cidade pequena, de quase nenhum
movimento urbano nas primeiras horas da manhã, os cânticos entoados no Ofício
de Nossa Senhora transpunham as paredes bem fornidas da Capela, e, entre
janelas e portas, espalhavam-se suavemente por todo o Centro da cidade.
O espanto é que grande parte do
Ofício era entoado em Latim, sendo que algumas das cantoras daquele belíssimo
coral sabiam pouco até mesmo de Português, a nossa língua.
Não era apenas a tradição do uso do
latim pela Madre Igreja Católica que “ensinava” aquelas mulheres a cantar o
Ofício de Nossa Senhora na “língua-mãe”. Acredito – e isso é convicção minha –
que Deus lhes tocava profundamente o coração e a alma, e lhes dava o dom de cantarem
com tanta maestria o Ofício dedicado à Mãe de Jesus Cristo, a quem Deus,
através do Anjo, confiou a missão de gerar seu Filho Unigênito.
Essa lembrança me traz muitas
saudades, de um tempo de vida maravilhoso (apesar das dificuldades da época) e
de pessoas que nos amaram e às quais nós amamos, talvez sem nunca termos dito
isso uns aos outros.
A execução do Ofício de Nossa
Senhora das Graças durava, em cada sábado, cerca de quarenta e cinco minutos a
uma hora. Porém, ainda hoje, de vez em quando, principalmente aos sábados,
pego-me ouvindo aqueles cânticos, e vêm à minha lembrança as imagens de todas
aquelas mulheres, principalmente da minha avó Noêmia, a quem muito devo por
tudo o que me fez e me ensinou de bom.
Ave, cheia de graça!
Alcimar Antônio de Souza