Vida virtual
Alcimar Antônio de Souza
Houve um tempo em que as pessoas que se conheciam
numa comunidade gostavam de falar pessoalmente umas com as outras. As comadres
dividiam entre si os mais elementares fatos do cotidiano. As crianças tinham
prazer de fazer travessuras juntas, de brincarem juntas, de compartilharem
muitas coisas que aconteciam no dia a dia desses pequeninos. Os campinhos improvisados
de futebol, de terra batida, estavam sempre cheios no meio das tardes, e havia
até brigas na formação dos times. Moças e rapazes tinham suas próprias
confrarias. Os amigos se encontravam sempre para uma prosa animada, sincera e sobretudo real.
Houve um tempo em que telefone só servia para
assuntos mais urgentes, mais relevantes. Tínhamos na mente – e não numa lista
de contatos – os nomes e os endereços dos nossos amigos e das pessoas que mais
gostávamos. Conversávamos presencialmente, na calçada da casa de algum dos
amigos, ou em rodas de conversas geralmente animadas.
Quando tínhamos que chorar a nossa própria dor, a
solidariedade recebida era real. Vinha num abraço de conforto, num gesto
sincero e presente de consolação. Não se mandava uma mensagem qualquer, via
telefone ou computador, com frases de efeito muitas vezes copiadas de alguém.
Nos momentos de alegria, estávamos realmente juntos,
de fato. Nesse tempo, encontrar amigos e pessoas do nosso bem-querer para
festejarmos algum fato especial chegava a ser uma obrigação. Hoje essas
reuniões festivas ainda acontecem, mas com menor intensidade. Geralmente
preferimos usar a tecnologia para enviarmos “parabéns”, ou para desejarmos um “feliz
aniversário”, ou para dizermos “que seja feliz”. Ir pessoalmente até um amigo,
mesmo que a uma curta distância, para expressarmos algo assim, de repente ficou
mais difícil, quase impossível. Bom mesmo, mais prático, mais cômodo, mais
chique, é enviarmos uma mensagem por meio de um recurso tecnológico qualquer. E
ainda tem a vantagem de que outras pessoas – milhares, por sinal – poderão ver
que estamos “participando” da vida daquele nosso amigo.
Amigos, quanto temos? No Twitter, temos centenas (alguns têm até milhões). No Facebook, temos outra enorme quantidade.
Na lista de contatos do email,
perdemos a conta. E nem sempre os amigos de determinada rede social virtual são
os mesmos da outra. Mas geralmente os amigos das redes sociais só são nossos
amigos no mundo imaginário dos recursos tecnológicos. São amigos tão irreais,
tão imaginários, que se os encontramos na rua, na vida real, somos capazes de
não nos reconhecermos, e efetivamente não nos cumprimentamos.
Amigos, na vida real, quantos temos? Contamos nos
dedos das mãos, de tão pouco que ficaram. Ainda são os que realmente dispensam
os atalhos tecnológicos para nos cumprimentarem presencialmente, para nos
contarem algum fato engraçado, para nos relatarem alguma situação de vida, para
nos pedirem ou nos emprestarem algum apoio diante de uma circunstância adversa
da vida real.
Romantismo, agora, só virtual. Ninguém mais tem o
prazer de escrever uma carta de amor. É que, nos moldes convencionais, destinada
e vista só pela pessoa amada, a missiva de amor ficou até sem graça. Bom mesmo
é postar uma declaração de amor na grande rede mundial de computadores. Assim,
além da pessoa amada, milhares de pessoas mundo afora tomarão conhecimento
daquele sentimento, expresso com maior amplitude.
Depois da dependência química, os estudiosos já se
deparam, para objeto de estudos, com a dependência da internet. Ou seria a web dependência? É aquela “necessidade”
que têm as pessoas de estarem, diariamente, todas as horas, ligadas a alguma
rede social virtual, conversando com pessoas diversas, compartilhando fotos e
mensagens de toda ordem, mandando recados geralmente sem qualquer utilidade
prática.
E, assim como novos tipos de entorpecentes vão
surgindo e causando maior dependência, a internet também propicia o surgimento
de novas ferramentas que aumentam a dependência dos seus navegadores. O Instagram e o Whatsapp são, por ora, as novidades mais recentes, que logo viraram
febre de acesso.
Nos bares e restaurantes, aonde as pessoas
antigamente iam para se divertirem e conversarem amenidades, a moda agora é
cada um com seu tablet ou celular à
mão, acessando a internet. Comem, bebem, mas não conversam entre si. E podem
até conversarem uns com os outros, mas via internet, mesmo que a uma distância
de um metro de um para outro.
Nas famílias, a conversa vai diminuindo mais e mais.
Em muitos lares, pais e filhos preferem o acesso à rede mundial de computadores
a uma boa conversa. Os problemas de toda família acontecem, mas a busca por
soluções ou vai sendo adiada ou vai sendo simplesmente esquecida. O mundo
virtual vai, assim, sobrepondo-se ao mundo real.
Pela internet já compramos quase tudo, e em breve
chegará o dia em que até a compra dos itens básicos de sobrevivência (a chamada
feira) será pedida via internet.
Perdemos o prazer de ver e analisar pessoalmente as coisas das quais possamos
precisar no dia a dia. De frente a uma tela de computador, de tablet ou de celular, vasculhamos o
mundo e encontramos nesse universo virtual aquilo que queremos.
Como toda dependência, a da internet tem suas
maléficas consequências para a vida real das pessoas. Uma das mais sérias é a
posição de vítima de delitos praticados por outros internautas. Estelionato,
calúnia, difamação, injúria e pedofilia são alguns dos crimes mais comumente
praticados na web. Essa realidade é
tão grave que recentemente a Organização Não governamental Terre Des Hommes (Terra dos Homens), de Amsterdã, na Holanda, criou
uma menina virtual batizada de Sweetie
(Docinho, em português), para identificar pedófilos, e conseguiu pegar mais de
mil deles na armadilha virtual, havendo entre eles alguns brasileiros.
Outra consequência dessa dependência virtual é a
necessidade criada em algumas pessoas de estarem constantemente se exibindo na
internet. E isso aumentou bastante depois do surgimento do Instagram. Para alguns, trata-se dos instachatos, que vivem se exibindo na grande rede de computadores.
Para a Ciência, pode ser mais uma espécie de narcisistas, já que o narcisismo é
tido pela Psiquiatria e pela Medicina Legal como um pequeno distúrbio mental
que leva o narcisista ao culto do seu próprio corpo, admirado por ele próprio.
As famílias, base de qualquer organização social,
vão também sendo diretamente afetadas pelo uso excessivo da internet, que traz
novos – mas repugnantes – valores sociais e morais, que põe na vida de seus
filhos jovens os ignóbeis pedófilos, que elimina as boas e necessárias
conversas do dia a dia.
Enquanto isso, o lado bom da internet, que poderia
ser melhor explorado, por muito pouco não passa despercebido. Sítios de
pesquisas, páginas virtuais de bibliotecas e organismos educacionais e portais
de notícias, que poderiam ser utilizados na busca do conhecimento, não têm para
os navegadores da web a mesma
importância que as redes sociais mais usadas, como o Facebook, o Twitter e o Whatsapp.
Infelizmente, nesse novo milênio a vida real vai
cedendo mais e mais à vida virtual. E, sem perceber, a nossa sociedade vai
ficando sem rosto, sem cara, sem identificação. E aí me lembro de um velho
ditado popular, dos tempos da minha avó, segundo o qual “o que mata ou o que cura
não é o veneno ou o remédio, mas o tamanho da dose”. Na simplicidade do povo
mais humilde, o provérbio popular assim se resumia: “Tudo de mais é veneno”.