terça-feira, 3 de março de 2015

Opinião

Os inconformados com a democracia
Mais uma vez, como a UDN em 1963, querem destruir nossas instituições
Editorial do Jornal do Brasil

Em entrevista à Folha de S.Paulo deste domingo (01/03), o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira destacou um fenômeno inédito cada vez mais evidente na sociedade brasileira: o ódio dos ricos ao PT e à presidenta Dilma Rousseff.

Bresser - ex-ministro da Fazenda no governo Sarney e um dos fundadores do PSDB - está lançando o livro “A construção política do Brasil” (Editora 34) onde analisa a história do país desde a independência até hoje, com períodos de conflitos e de entendimentos se alternando.

Segundo ele, o último pacto – que chama de “nacional-popular”, ocorreu no governo Lula, com grande êxito. Mas para o economista, essa aliança se desfez nos últimos anos, com a desaceleração do crescimento e os casos de corrupção. 

“A burguesia voltou a se unificar”, destacou Bresser, acrescentando que o Partido dos Trabalhadores “fez compromissos, mas não se entregou. Continua defendendo os pobres contra os ricos. O ódio decorre do fato de que o governo revelou uma preferência forte e clara pelos trabalhadores e pelos pobres”.

Além de ter sido ministro da Economia durante o governo Sarney, Luiz Carlos Bresser-Pereira comandou o ministério da Administração e Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia do governo Fernando Henrique Cardoso. Ele deixou o PSDB em 2011 por motivos ideológicos. 

Em setembro de 2014, numa entrevista ao portal Brasil 247, Bresser já havia explicado os motivos de seu desligamento do partido. Segundo ele, o PSDB deu "uma forte guinada para a direita, deixou de ser um partido de centro-esquerda, e abandonou a perspectiva desenvolvimentista e nacional para se tornar um campeão do liberalismo econômico".

Bresser justificou seu voto em Dilma Rousseff nas últimas eleições presidenciais levando em conta dois critérios: "quanto o candidato está comprometido com os interesses dos pobres, e quão capaz será ele e os partidos políticos que o apoiam de atender a esses interesses, promovendo o desenvolvimento econômico e a diminuição da desigualdade".

Para Bresser-Pereira, “era preciso escolher entre um candidato desenvolvimentista e social e um outro candidato liberal, portanto profundamente contrário aos interesses nacionais, que era o Aécio”. O economista também citou a volta do udenismo e do golpismo, depois das últimas eleições.

De fato, a análise de Bresser faz lembrar as passeatas de 1964, comandadas pela banda de música da UDN de São Paulo e pelo Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad). A diferença de lá para cá é que naquele momento a população do Brasil era de 50 milhões de habitantes. Hoje, com a má distribuição de renda que vem das capitanias hereditárias, o Brasil (com uma população de 200 milhões de habitantes) tem 120 milhões à margem da pobreza. Esses não têm nada a perder, se houver uma crise maior. Os que têm a perder são os que estão acima da linha da pobreza.

Os casos de corrupção, como o mensalão e o que atinge agora a Petrobras, despertaram um ódio de setores mais conservadores, com grande respaldo da mídia. Mas isso não pode servir de brecha para que se reivindique a queda de um governo legitimamente eleito.A Petrobras, maior empresa da América Latina e a que mais investe no mundo também sofre ataques diários nesse espetáculo midiático.

Numa democracia, a liberdade para que as irregularidades sejam investigadas é garantida. E isso está acontecendo no Brasil neste momento. 

É claro que os responsáveis devem ser punidos, mas a partir de uma apuração rigorosa, que aponte provas e leve a um julgamento baseado nas leis e nas garantias constitucionais. As instituições não podem ser atropeladas apenas para atender à ira de oportunistas que até hoje não aceitam o resultado do último pleito.   Não se trata de defender um partido específico. A grande questão é defender as instituições da República, que estão sendo atacadas sistematicamente.  

O mundo quebrou em 2008 e apesar de inúmeras previsões sombrias, o Brasil se manteve de pé. A Espanha está mergulhada numa crise econômica há anos, muito mais grave do que a situação vivida aqui. Por lá, a taxa de desemprego já chegou a atingir 25,93%. No Brasil, ficou em 5,3% em janeiro de 2015, de acordo com o IBGE. Apesar disso, setores da mídia fazem alarde.

E os problemas na Espanha não se resumem à economia. Em outubro de 2014, foram presas 51 pessoas, entre políticos de diferentes partidos, servidores e empresários que superfaturavam contratos públicos.

Nem a crise econômica, nem os escândalos envolvendo políticos abalaram as instituições da Espanha. Hoje, o país aguarda as novas eleições, previstas para novembro deste ano. Tudo será feito pelas vias democráticas. Sem golpismo e sem o ódio de classe, tão insuflado no Brasil de hoje, como bem observou Bresser-Pereira em sua entrevista.

Fonte: www.jb.com.br