sábado, 21 de setembro de 2019

Reminiscência


À praia

Estávamos no finalzinho dos anos setenta ou início dos anos oitenta do século passado. Sem redes sociais virtuais na época, não pudemos fazer um registro mais preciso. Íamos, satisfeitos, à Vila-praia de Tibau (hoje Município de Tibau). Era mais uma dessas excursões populares que nos levavam cedo, antes do amanhecer, e nos traziam de volta no final do dia. Nosso ponto de partida era a cidade de Messias Targino. Minha mãe Maria do Junco organizava o passeio, um verdadeiro deleite para a época.

Nessa época os ônibus de conhecida empresa potiguar já tinham a mania de apresentar defeito mecânico em plena viagem. E foi o que aconteceu na rodovia RN 117, na zona rural de Caraúbas. Do nada, o motorista parou o pesado veículo e já foi descendo como quem sabia o que era. Foi resolver o problema, que lhe parecia familiar. Mas, nem podíamos reclamar muito, pois a viagem no velho ônibus já era imensamente mais confortável que outra que fizemos de caminhão também para lazer.

De Messias Targino ia uma turma grande e animada. Meus primos, descendentes de Manoel Fernandes Jales e Maria Cândida de Almeida, e mais alguns artistas locais, revezavam-se na arte de tocar violão e cantar. Não por acaso muitos dos que iam ali já tinham sido ou viriam a ser mais tarde vencedores do concurso “A Mais Bela Voz”, realizado pela Rádio Rural de Mossoró e pela Rádio Rural de Caicó, e alguns até enveredaram mesmo pelo mundo da música.

Empolgado, atrevi-me a uma participação musical, no que fui repreendido – acertadamente – pelo primo De Assis Almeida, que disse: “Neguinho de Maria do Junco, você não canta nada”. Mas ele estava certo!

Enquanto se consertava o ônibus, muitos aproveitaram para “iniciar os trabalhos” ali mesmo. E já foram bebendo e comendo alguma coisa, mesmo ainda estando há quase cem quilômetros da praia.

Feito o conserto, seguimos viagem. A paisagem conhecida da mata de caatinga do sertão, que ladeava a estrada, parecia diferente naqueles dias. Era o encantamento de quem – e falo por mim – tinha a oportunidade de ir muito esporadicamente à praia. Naquele tempo, nesse sertão hostil em tempos de seca, a ideia de ir à praia se transformava numa grande alegria para meninos de pobreza franciscana, como eu.

Depois de algum tempo passávamos por Mossoró, que já era – e continua sendo – a segunda maior cidade do Estado potiguar. A relativa grandeza da Terra de Santa Luzia também nos causava admiração. Mas Mossoró seria apenas um divertimento a mais, secundário, nessa viagem. Tibau seria para nós naquele dia a primeira ou segunda maravilha do mundo.

E finalmente chegamos ao destino mais aguardado. Como quem se ocupa apressadamente de um território abandonado – que não era bem o caso -, tomamos de conta de boa parte das areias da praia. Apossamo-nos. Acampamos ali mesmo. Tínhamos que aproveitar o que a natureza nos dava gratuitamente naquele instante. E não era pouca coisa. Era uma belíssima praia, com a vista de um marzão à frente.

Em dias como aquele, sentíamos que a vida tem valores riquíssimos, maiores que tudo, porém meio esquecidos em tempos de agora. Com quase nenhum dinheiro, compartilhávamos amizade, alegria, sinceridade e solidariedade, que deve existir também em momentos de lazer.

O pôr do sol na belíssima praia anunciava que deveríamos voltar. E já com saudade entrávamos no velho ônibus, para refazermos o caminho de casa. A meninada tinha, a partir dali, histórias e estórias para mais de mês de conversa. Como era bom!

À noite, chegávamos de volta a Messias Targino. O passeio tinha sido inesquecível. Tinha sido um dia de lazer sem nenhum luxo, mas de muita alegria. O luxo mesmo éramos todos nós, pessoas simples que encontravam na pequena viagem de um dia um motivo para viver ainda mais a felicidade.

Felicidade, aliás, é algo que não tem preço, por mais que insistam que ela só vêm com as máquinas de cartões de crédito.

Alcimar Antônio de Souza

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