Encantos e desencantos
Estimulado por amigos,
ainda pequeno passei a torcer pelo Clube de Regatas Vasco da Gama. Numa época
de pouca tecnologia a serviço da comunicação social e de muita miséria pelo
Nordeste brasileiro, cresci ouvindo os jogos do Vasco pelo rádio, e apenas vez por
outra tinha o prazer de ver o time da cruz de malta na televisão, que até
muitos anos da minha vida era a de algum vizinho ou de algum conhecido, que financeiramente
era mais abastardo.
No dia seguinte ao de
cada rodada do Campeonato de Futebol do Rio de Janeiro, ou do Campeonato
Brasileiro, ou de outra competição da qual o Vasco estivesse participando, eu
ouvia logo cedo a resenha esportiva da Rádio Rural, apresentada dentro de um
jornal diário, e perto das 13 horas ainda corria para alguma residência próxima
para assistir a um conhecido programa esportivo, no intuito de novamente saber
as notícias do futebol e, de modo particular, do meu Vasco.
Cultivei o hábito ao
longo da vida. Sempre que posso, vejo as partidas do Vasco pela televisão e
ainda acompanho de perto o noticiário em torno dele.
Em casa, quando
infantil, meu tio Severino costumava me levar para assistir a partidas do
futebol amador, pois ele, Teixeirinha e meu tio-avô Dedé (ou Bode Velho) eram
alguns dos que conduziam com muita dificuldade mas com muito amor o futebol
amador em Messias Targino. O problema era que ele era torcedor do Corinthians e
no Rio de Janeiro esboçava um apreço pelo Botafogo. Mas, até por profundo
respeito a ele, nunca sequer discutimos por isso.
Para um torcedor apaixonado,
a melhor música para os ouvidos é o hino do seu clube de coração bradado após
cada conquista. Foi assim, por exemplo, em 1982, quando o Vasco derrotou o
Flamengo por 1 a zero num Maracanã abarrotado de gente, na final do Campeonato
de Futebol do Rio de Janeiro. O gol foi de Marquinhos, de cabeça, aos três
minutos do segundo tempo, após cobrança de escanteio, em antecipação ao
excelente goleiro rubro-negro Raul Plasma. O treinador do Vasco era Antônio
Lopes.
Em 1989, com gol de
Sorato na partida final, o Vasco conquistou o seu segundo Campeonato
Brasileiro. O primeiro título nacional havia sido ganho em 1974, quando eu só
tinha dois anos de idade e não entendia nada de futebol.
Também assisti àquela
sequência histórica de conquistas do Gigante da Colina, que foi campeão
brasileiro de 1997 (num ano espetacular do goleiro Carlos Germano e do atacante
Edmundo), campeão do Rio de Janeiro de 1998 e campeão da Taça Libertadores da
América de 1998 (ano de atuações memoráveis de Juninho Pernambucano). O técnico
de tantas conquistas era Antônio Lopes, que para os dias de hoje estaria
ultrapassado, segundo muitos.
No ano seguinte, 1999,
o Vasco estava novamente no lugar mais alto de uma competição, conquistando
mais uma vez o Torneio Rio-São Paulo.
E logo no ano seguinte,
2000, o Vasco era novamente campeão brasileiro, pela quarta vez, desta feita
sobre o São Caetano.
Também chorei de
alegria quando o Vasco, após terminar o primeiro tempo perdendo por 3 a zero
para o Palmeiras, virou o jogo no segundo tempo e foi campeão da Copa Mercosul,
pelo inacreditável escore de 4 a 3. Romário foi o condutor do Gigante naquela
noite épica do Clube de Regatas Vasco da Gama.
Em 2011, chorei
disfarçadamente após a conquista da Copa do Brasil pelo Vasco. Disfarcei porque
ao meu lado estava o meu filho mais velho, João Vítor, vascaíno por livre
escolha dele próprio.
Mas a paixão pelo Vasco
da Gama não vem apenas por seu futebol, que já foi tão vistoso em tempos atrás.
A sua história também me prende à sua bandeira. Fundado em 21 de agosto de
1989, o Vasco da Gama despertou para o futebol anos à frente, numa época que o
esporte bretão era, no Brasil, praticado apenas pelos filhos da elite econômica.
Se os demais clubes do Rio de Janeiro estavam – como estão – em áreas
consideradas mais nobres, o Vasco estava lá do outro lado da cidade carioca, em
meio ao povão.
E foi nesse contexto
que o Vasco da Gama foi o primeiro clube do Rio de Janeiro – e provavelmente do
Brasil – a aceitar em seus quadros pessoas muito pobres e, principalmente, negros.
A construção de São
Januário é outro marco belíssimo na história do Vasco. Como os outros clubes do
Rio de Janeiro não queriam que o Gigante da Colina participasse do campeonato
estadual de futebol, mesmo tendo conquistado o acesso dentro de campo,
inseriram no regulamento do torneio a regra segundo a qual os times deveriam
ter seus próprios estádios, para mandarem seus jogos, sob pena de exclusão. Foi
então que a grande massa vascaína se uniu e, num grande mutirão, com muitas
doações e com muito trabalho, construiu o Estádio de São Januário, que por
muitos anos foi o maior do Brasil e até da América do Sul.
De jogadores que
vestiram a camisa do clube e foram ícones no Vasco e no futebol como um todo,
temos vários. Lembro-me no momento de Roberto Dinamite (pra mim, o melhor de
todos), Edmundo, Romário, Pedrinho, Felipe, Geovane, Valdir Bigode, Carlos
Germano, Dênner (mesmo que de curta passagem pela vida, pois morreu muito
cedo), e muitos outros que se encontram registrados para sempre na história do Clube.
No entanto, desde os
primeiros anos do século 21, a grande torcida do Vasco anda triste. Afora
algumas poucas conquistas obtidas dentro das quatro linhas nos últimos anos,
temos assistido a uma sequência interminável de péssimas administrações do
clube, com resultados que se refletem diretamente no rendimento esportivo.
Prova disso é que num curto intervalo de tempo o Clube teve que disputar três
séries B do Campeonato Brasileiro de Futebol (segundo divisão do torneio
nacional), além de ficar de fora, por anos, de competições internacionais.
Infelizmente, desde que
o grupo político de Eurico Miranda chegou ao poder central do Vasco da Gama, o
clube só agoniza. Arrogância, prepotência, pensamento arcaico, desrespeito à
torcida, desrespeito à imprensa, falta de transparência e truculência são
algumas das péssimas qualidades de Eurico e de sua turma.
Foram cerca de quinze
anos de gestão quase ditatorial de Eurico Miranda, com intervalo para um breve
período administrativo de Roberto Dinamite, que, se como jogador havia sido
certamente o maior talento vascaíno, como gestor esportivo foi um fiasco.
Agora, a torcida como
um todo esperava uma mudança, mesmo sabendo da injustiça que marca o processo
eleitoral do Vasco da Gama, um amontoado de normas antigas e antidemocráticas
criadas lá atrás, quando talvez lá atrás, no tempo, até se justificassem, mas
que não cabem mais em dias atuais.
Em novembro do ano
passado, os sócios do Vasco da Gama elegeram a chapa que tinha Júlio Brant como
nome para a presidência, do qual Alexandre Campello seria o seu vice-presidente
geral.
Por causa de fraudes
eleitorais provadas na Justiça e que só beneficiavam o grupo – adivinhem – de
Eurico Miranda, o processo eleitoral do Vasco da Gama virou um caso de polícia
e quase não teve fim.
Mas, finalmente, neste
dia 19 de janeiro de 2018, por determinação judicial, o Conselho Deliberativo
do Clube, formado por 150 conselheiros eleitos no “primeiro turno” e 150
conselheiros natos (de cadeira cativa), elegeu o presidente da instituição.
Vencedor num primeiro momento, Júlio Brant foi traído por seu companheiro de campanha de primeiro turno, Alexandre Campello, e foi derrotado por este próprio, votando o Conselho Deliberativo, por maioria, contra a expressa vontade dos sócios e da imensa torcida vascaína.
Campello chegou sozinho
à vitória? Não, de última hora se aliou ao grupo de Eurico Miranda e Euriquinho
Miranda, pai e filho, mantendo no Clube a continuidade de uma gestão que só o
destruiu, que só lhe fez mal.
A torcida ficou
decepcionada, frustrada, irresignada, pois sabe que pelo menos os três próximos
anos do Vasco da Gama serão de atraso, conservadorismo, mais do mesmo.
O golpe eleitoral sofrido pela democracia no Vasco me fez lembrar outro, também “legalizado”. E então entendi que, também no futebol, a face podre da política continua em alta.
Sei que, pelos anos
vindouros, dificilmente ouvirei o hino do Vasco ao final das competições, como
indicador de suas conquistas, que certamente não virão. Sei que nós, vascaínos,
continuaremos a sofrer a chacota da boa rivalidade de nossos adversários, que
administrativamente estão melhores do que nós, do Vasco.
Mas continuarei aqui,
como sempre estive, torcendo pelo Vasco. Ganhando ou perdendo, continuarei a
vestir a camisa da cruz-de-malta. Já não terei o mesmo entusiasmo de outrora, mas
como torcedor sou como aquele jovem apaixonado pela mocinha: uma simples
conquista, talvez, já me traga de volta.
Alcimar Antônio de
Souza.
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