O vento leva a esperança?
Março de 2017.
Em mais um final de semana, fomos ao Sítio Jatobá, na zona rural de Patu, para
a casa onde morou minha esposa Elizângela quando criança.
O lugar sempre
foi de muita frequência pela família dela desde que seus avós (que lhe criaram
como filha) de lá saíram para morar na cidade de Patu, mas principalmente
depois que a casa passou por uma razoável reforma, credenciando-se assim a
receber melhor os muitos filhos, netos e amigos de Cícero Romão de Andrade,
popularmente conhecido por Ciço Arroz, e Rita Rocha de Andrade.
O período de
chuvas no sertão potiguar não estava tão intenso, mas graças a Deus choveu o
suficiente para se debelar uma seca terrível iniciada em 2012, se não me
engano.
Com as chuvas,
muitos animais do sertão se tornam mais presentes entre os humanos. No campo,
muitos deixam a mata de caatinga e chegam mais perto das residências. É o que
acontece, por exemplo, com o louva-a-deus, ou cavalinho-de-deus, um inseto de
cor verde cujo nome se origina
pela forma como ele gosta de ficar quando observa algo ou quando espreita uma
presa, isto é, com as patas dianteiras unidas umas às outras como se estivessem
orando ou rezando.
Mas justamente pela cor verde que marca sua pequena estrutura
física, o louva-a-deus também é chamado entre nós de esperança. Talvez não apenas a cor justifique esse epíteto
genuinamente sertanejo, mas também o fato de que ele é visto em maior
abundância nos períodos de chuva no sertão. E como por essas bandas somos muito
sofridos pelas seguidas estiagens, acreditamos que esse animalzinho também
significa para nós a esperança de dias melhores.
Pois bem, ao cair da noite, a conversa, como de costume,
rolou solta entre nós, naquele aprazível e rústico alpendre de casa de sítio do
sertão.
Minha Maria
Rita, com seis de idade, não gosta muito de pernoitar na casa do Jatobá nesse
período de chuvas, justamente porque esperanças,
sapos, grilos e outros animais de pequeno porte costumam se misturar à família.
Num dos quartos
da casa, ela sempre dormiu com sua mãe, numa cama, e eu, pelas circunstâncias
do local, sempre fiquei ali ao lado, numa velha e boa rede, inclusive para
amenizar o calor.
Nessa noite,
porém, Maria Rita não quis ficar na companhia da mãe, preferindo dividir comigo
aquela rede surrada. Achei estranho, mas gostei, afinal não são todos os dias
que um filho ou uma filha prefere o aconchego do pai à proteção da mãe, que sempre
teve uma ligeira vantagem na preferência dos filhos, o que facilmente se
explica pelas leis da natureza e por nossos costumes sociais.
Com os cuidados
de toda mãe que se preza, a de Maria Rita direcionou o único ventilador do
quarto (e um dos poucos da casa) para a nossa rede, para que a menina não
sentisse tanto calor.
Do sono fácil,
eu e Maria Rita dormimos logo, até que, passando da meia-noite, ela acordou. Instintivamente,
mesmo sem aquele instinto das mães, também acordei de imediato. Antes de
qualquer palavra minha, ela me olhou com aqueles lindos olhões – único traço físico
mais forte da mãe naquele mocinha – e, também olhando para o ventilador que nos
soprava um pouco de vento, perguntou:
- Papai, o vento
leva a esperança?
Logo compreendi
que a sua preocupação era saber se o vento do ventilador levaria para longe de
nós o louva-a-deus, a esperança. Também compreendi de imediato que a opção de
Maria Rita por mim naquela noite, e não pela mãe, decorria justamente do seu
temor de receber a visita da esperança,
pois comigo, naquela rede, ela se sentiria mais protegida.
Como a indagação
me chegou de surpresa, demorei para responder e nós acabamos voltando a dormir de
imediato. Maria Rita, agora sabedora de que nenhum louva-a-deus havia chegado
ao recinto, logo me abandonou e voltou ao aconchego protetor da mãe.
A pergunta,
carregada de ingenuidade e da pureza da alma das crianças, pôs-me a refletir
por dias seguidos. Pus-me a pensar na esperança, não no inseto louva-a-deus,
mas naquele sentimento que ainda nos move diante das muitas adversidades diárias.
Para mim, em
particular, essa esperança vem acompanhada da fé em Deus, porque assim fui
educado por minha mãe Maria do Junco, cristã-católica fervorosa que nunca me
permitiu – graças a Deus – pensar diferente.
E, somente dias
depois, dando à pergunta uma resposta diferente daquela que Maria Rita gostaria
de ouvir, concluí, também meio que ingenuamente, mas já sem a pureza da alma
das crianças, que: Não! O vento não leva a esperança.
Alcimar Antônio de Souza
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