segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Itamar de Almeida

O "Leãozinho das Tribos de Judá" cumpriu seu destino

Alcimar Antônio de Souza




"Fariseus, hereges, hipócritas, filhos de Sodoma e de Gomorra, arrependei-vos ou serão castigados". Com um timbre de voz inconfundível e vestido em indumentárias pouco convencionais para os padrões sociais tidos à conta de aceitos, era assim, em muitas ocasiões, que Itamar de Almeida iniciava as suas pregações e os seus protestos.

Filho de Manoel Tomaz de Almeida e Raimunda Ricardina da Silva, Itamar de Almeida começou a sua vida, ainda jovem, num seminário da Igreja Católica. Sendo ele a própria encarnação da rebeldia e da fundamentada discordância, não durou muito como interno e passou a pregar em todos os lugares.

Se ficou conhecido popularmente como o "Padre do Junco", numa expressa referência à sua missão de pregar a Palavra de Deus e também protestar contra aquilo que achava estar errado, Itamar de Almeida também gostava de se auto-intitular o "Leãozinho das Tribos de Judá", que biblicamente remetia às Tribos de Judá e Israel, que continham nos primórdios da humanidade o povo judeu, hebraico, israelita, protegido de Javé.

Rompido com a Igreja Católica, Itamar porém nunca se afastou por completo da mais antiga instituição religiosa do mundo. Nas Festas de Nossa Senhora das Graças (Messias Targino) Santa Luzia (Mossoró), Santana (Caicó), Nossa Senhora dos Impossíveis (Serra do Lima, em Patu) e Nossa Senhora das Dores (Patu), além de outras da Igreja Católica, Itamar era presença certa. Misturava-se aos fiéis nas procissões de cada festa e não tinha qualquer receio de levar a sua mensagem, ora de explicação da Bíblia, ora de protesto mesmo. Fazia o mesmo no Dia de Finados, quando passava o dia inteiro pregando no Cemitério de São Sebastião, em Mossoró.

Profundo conhecedor da Bíblia Sagrada, o "Leãozinho das Tribos de Judá" estudou por conta própria, inclusive pelo rádio, e também se tornou profundo conhecedor de artes e ciências diversas, adquirindo também razoável conhecimento de outras línguas, como latim, inglês e francês.

Das qualidades de um cristão, tinha duas certamente das mais nobres: o amor ao próximo e o dom de partilhar o pouco que tinha. Recentemente Itamar passou a distribuir lotes de terra que recebeu de herança pela morte de seus genitores, repetindo um pouco o que lá atrás foi feito por seu avó (meu bisavô) Manoel Fernandes Jales, o Sorinho, que atendeu a um pedido do líder político Messias Targino da Cruz e juntamente com outros cidadãos de espírito altaneiro doou grandes porções de terra para que pudesse ser fundado o Povoado do Junco, que depois passou a ser Município de Junco e Município de Messias Targino.

A propósito, Itamar era essencialmente um seguidor de Francisco de Assis, mesmo que não fosse formalmente integrante da Ordem dos Franciscanos. Exageradamente simples, não juntava qualquer patrimônio e não se apegava a nenhum bem material.

Aliás, foi Francisco, o Papa, quem fez novamente Itamar voltar a admirar, mesmo que à distância, a Igreja Católica, num ecumenismo que só ele explicava, pois também exaltava pastores e religiões de cunho evangélico.

Objeto de matérias em jornais impressos e portais de notícias diversos, Itamar ganhou notoriedade em todo o Estado.

Morada certa? Disse-me ele outro dia que só teve quando residiu com seus pais, no Sítio Junco, nos arredores da cidade de Messias Targino. Costumeiramente dividia seu tempo entre Messias Targino, Patu, Mossoró, Serra do Mel e Natal. Dizia-se um andarilho a serviço da Palavra de Deus.

De tanto protestar contra políticos corruptos, Itamar se lançou candidato várias vezes a deputado estadual. Dificilmente obteria êxito num cenário de estruturas políticas montadas há décadas, em que os pais passam o bastão para os filhos, e assim por diante.

Nos últimos anos estive muito próximo de Itamar. Em muitas manhãs eu ouvia a sua voz inconfundível, perguntando no pé do portão: "O primo está?"

Mesmo sem idade e sem autoridade para tanto, tomei a liberdade de o aconselhar em dias em que ele parecia que sua mente viajava em velocidade de luz por temas diversos. Eram dias em que ele parecia mais agitado, mais inquieto. Algumas vezes consegui convencê-lo a voltar à calmaria.

Mas calmaria era justamente tudo o que não combinava com o agitado "Padre do Junco", pois ele entendia que a calmaria conduzia à resignação diante de uma realidade social e política que ele tanto condenava, assim como também condenava as formas mais banais de pecado tão visíveis em dias de hoje.

"Um homem à frente do seu tempo", como bem definiu seu sobrinho e meu parente Wescley Almeida, Itamar se rendeu em parte à tecnologia que domina o mundo, ou ao menos a detalhes dela. Passou a mandar digitar suas missivas e jogá-las em algum lugar das redes sociais e passou também a usar o "pendrive" (nem sei se o nome é este) para armazenar hinos religiosos e discursos seus.

Neste fim de semana, porém, Itamar veio a óbito, vítima de parada cardíaca, já que pouco cuidava do seu constante problema de elevada pressão arterial. Morreu em Mossoró, um dos palcos principais de sua trajetória de manifestações e pregações.

Nesta segunda-feira, 10 de agosto, Itamar foi sepultado no Cemitério Público de Messias Targino. Antes, recebeu na Igreja de Nossa Senhora das Graças uma celebração digna de sua pessoa, além de muitas homenagens.

Nesta segunda-feira, 10, Itamar, sem poder expressar a sua vontade, voltou ao seio da Igreja Católica, onde começou a sua trajetória, e voltou também ao chão da terra de seu pai, pois foi enterrado na parte nova do Cemitério que foi foi fruto de desapropriação por parte da Prefeitura de terras do meu tio-avô Manoel Tomaz de Almeida.

Primo, onde estiver, descanse em paz. Deus, na sua infinita sabedoria, certamente saberá enxergar em  seus rompantes de euforia, motivados pelo desejo de justiça social e de um mundo melhor, um conjunto de boas ações. Boas ações, aliás, não lhe faltaram. De uma forma pouco convencional, você verdadeiramente foi um cristão.


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