domingo, 26 de janeiro de 2025

Origens

Recordações de uma vida

A casa humilde situada na rua principal de Messias Targino, onde passei a maior parte da infância e da adolescência, estava localizada entre a Boate Sândalus, de Dedeca Jales, depois arrendada a Francisco Borges de Andrade, e um bar, que teve vários proprietários, sendo Francimar Borges de Andrade aquele que mais tempo ficou no local.

Quando a Boate Sândalus estava sob a direção do amigo Dedeca Jales, de saudosa memória, tínhamos na sua lista de músicas os clássicos cantados por Altemar Dutra, Nelson Gonçalves, Roberto Carlos, e muitos outros.

Antes de chegar à Boate Sândalus, Francisco Borges explorou por muito tempo o bar Chapéu da Bruxa, localizado ao lado da Boate Sândalus, cujo som também se espalhava nas noites de sábado e domingo até perto da minha casa, a depender da direção do vento.

Com Borges à frente do bar Chapéu da Bruxa ou mesmo dirigindo a Boate Sândalus, houve mudança no leque de variedades musicais, inclusive porque os anos oitenta do século passado foram de muita euforia musical, com agigantada produção da chamada música popular brasileira e de vários ritmos, como pop, rock (internacional e nacional) e uma enxurrada de artistas e bandas da Bahia. Nos anos noventa, um novo pagode, com sotaque eletrônico, mas sem perder a essência, também se ouvia pelas caixas de som da Boate Sândalus.

Nos anos setenta e oitenta do século passado, aos domingos, bares espalhados ao longo do Mercado Público tocavam clássicos da música brega e do forró de então, alguns deles usando pequenas radiolas cujas tampas funcionavam como caixas de som. A sonoridade peculiar dos discos de vinil ecoava pelas ruas do Centro de Messias Targino.

Já nos anos noventa do século passado, se não me falha a memória, os irmãos Francimar e Borges, donos da Discoteca Irmãos Borges, que se apresentava em Messias Targino e em toda a região, trataram de abrir o Recantus Bar. A variedade musical era igualmente boa, e os equipamentos potentes de som levavam aquela diversidade musical pelas ruas da cidade, sempre aos sábados e domingos, quando o ambiente abria ao público.

Então cresci ouvindo músicas de excelente qualidade, e isso nunca nos tirou o sono. Aliás, eu até dormia melhor quando qualquer desses ambientes estava funcionando.

Na Boate Sândalus, no período em que Dedeca Jales estava à sua frente, algumas festas-bailes aconteceram. Sem idade para frequentar esses ambientes, e dada a rigidez de mamãe, a catequista Maria José de Souza (ou Maria do Junco), eu apenas me contentava em ouvir nas tardes, que antecediam a cada noite de cada festa, o ajuste do som das bandas, a famosa passagem de som.

À noite, quando a banda começava a tocar, eu me deliciava, naquela rede surrada, com os acordes daquela música feita ao vivo, executada totalmente na hora, sem “playback”.

Já adolescente, na segunda metade dos anos oitenta em diante, eu podia frequentar, vez por outra, os bailes que se realizavam na Boate Skorpius, que passou a ser na época a principal casa de eventos do gênero em Messias Targino.

Na cidade pequena, o alvoroço começava quando a banda chegava. Era grande a curiosidade de muitos para ouvir (e se possível presenciar) a passagem do som. Durante a festa, ou o baile, eu não era o único que dedicava pelo menos vinte ou trinta minutos para ficar bem em frente à banda, contemplando a execução das músicas que eram sucesso na época.

Quando a cidade recebia uma banda de maior expressão na região ou no Estado, a nossa curiosidade aumentava ainda mais. Conseguir o valor do ingresso e uns trocados a mais para molhar a garganta e causar leves danos ao fígado era a missão do dia, afinal, a noite prometia, a festa iria ser boa, e finalmente aquele mês seria diferente para todos nós.

Nomes como Montagem (de Natal), Terríveis (de Natal), Impacto Cinco (de Natal), Elo Musical (de Mossoró), Trepidant´s (de Recife), Circuito Musical (de Caicó), Tártaros (de Currais Novos), Bárbaros (de Mossoró), dentre outros, eram, para nós, atrações musicais de excelência. Grafith, então, causou enorme alvoroço quando foi se apresentar pela primeira vez a Messias Targino, num período em que a banda ainda tocava o estilo baile e ainda tocava totalmente ao vivo.

Uma vez por ano, ficávamos à espera da festa de “A Mais Bela Voz”, um concurso de música promovido pela Rádio Rural de Mossoró e pela Rádio Rural de Caicó em dezenas de cidades do interior do Rio Grande do Norte. Os ensaios eliminatórios ocorriam à tarde, ocasião em que os candidatos e a banda tentavam se ajustar. Uns poucos desafinados já eram eliminados ali mesmo. Os demais iriam se apresentar à noite. Do ensaio em diante, o povo já escolhia os seus favoritos e já palpitava sobre o possível ganhador do concurso, que iria representar Messias Targino na grande final do certame, ocorrida em Mossoró (se a promoção do evento fosse da Rádio Rural mossoroense) ou em Caicó (se o evento fosse realizado pela Rádio Rural caicoense).

A boa seresta também fez parte das nossas vidas. Não existe cidade pequena que, num passado recente, não tenha sido palco de seresteiros, famosos ou não. Em Messias Targino, o filho da terra Zé Galego (conhecido em Mossoró como J. Jales) certamente foi o que mais se apresentou em noites de serestas. Mas tivemos vários outros, inclusive o fenômeno regional da época, Maguila, que se autodenominou de “O Mago dos Teclados”.

Getúlio Oliveira Lima (de saudosa memória), Alísson Araújo, Francisco Eudes, Marquessoel Bezerra Pinto (que anos à frente se tornaria meu compadre), Robson Pinto (também compadre anos depois), Genésio Francisco Pinto Neto (“Pola de Edite de Nejo”), Ronielly Almeida e tantos outros compunham uma turma que gostava dos bailes. Selávamos amizades sinceras, e juntos, todos ou em parte, gostávamos daquelas noites em que a pacata cidade se transformava num palco de festa.

Quando fomos admitidos a frequentar as confrarias de outra geração, passamos a usufruir da excelente música cantada ao som de violões dedilhados com maestria, ou os teclados inesquecíveis de Benedito Alves de Medeiros, o popular Bené da Prefeitura. Reginaldo José de Melo (Régis de Zé Pedro), Nonato Almeida, De Assis Almeida, o próprio Bené, Almeida (contador), Zé Martins e tantos outros costumavam cantar nessas confrarias informais, e de tudo se ouvia um pouco (do melhor da música brasileira).  Cresci ouvindo esse pessoal.

Nessa época, o único “excesso” que cometíamos era ingerir bebida alcoólica. Éramos felizes com muito pouco (ou quase nada), e crescíamos levados pelo som das músicas que embalaram nossos dias e noites de fins de semana, no Bar Chapéu da Bruxa, na Boite Sândalus, no Recantus Bar, na Boate Skorpius, e em outros poucos outros ambientes comerciais existentes nessa cidadela, onde todos se conheciam pelos nomes, apelidos e até pelo gosto musical.

De lá para cá, mudaram-se os estilos musicais mais tocados, puseram fim aos bailes, muitas das bandas-bailes desapareceram e umas poucas continuam sobrevivendo à base da insistência, e o técnico da mesa de som é quem na verdade anda fazendo as apresentações, pois quase todas as bandas usam o dissimulado arquivo de áudio do tipo VS (virtual studios ou estúdio virtual).

De lá para cá, alguns amigos também partiram para o plano espiritual, e a cidade já está razoavelmente modificada em sua rotina e em seus costumes, e, graças a Deus, está significativamente mudada para melhor.

De resto, ficaram daquele tempo a saudade e as boas e verdadeiras amizades, as quais a borracha do tempo não consegue apagar, pois foram escritas com a tinta da caneta que carrega os valores de respeito, solidariedade, sinceridade e fraternidade.

Alcimar Antônio de Souza

Advogado e Membro da Associação dos Poetas e Artistas do Junco - APAJ

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