Recordações de uma vida
A casa humilde situada na
rua principal de Messias Targino, onde passei a maior parte da infância e da
adolescência, estava localizada entre a Boate Sândalus, de Dedeca Jales, depois
arrendada a Francisco Borges de Andrade, e um bar, que teve vários
proprietários, sendo Francimar Borges de Andrade aquele que mais tempo ficou no
local.
Quando a Boate Sândalus
estava sob a direção do amigo Dedeca Jales, de saudosa memória, tínhamos na sua
lista de músicas os clássicos cantados por Altemar Dutra, Nelson Gonçalves,
Roberto Carlos, e muitos outros.
Antes de chegar à Boate
Sândalus, Francisco Borges explorou por muito tempo o bar Chapéu da Bruxa,
localizado ao lado da Boate Sândalus, cujo som também se espalhava nas noites
de sábado e domingo até perto da minha casa, a depender da direção do vento.
Com Borges à frente do
bar Chapéu da Bruxa ou mesmo dirigindo a Boate Sândalus, houve mudança no leque
de variedades musicais, inclusive porque os anos oitenta do século passado
foram de muita euforia musical, com agigantada produção da chamada música
popular brasileira e de vários ritmos, como pop, rock (internacional e
nacional) e uma enxurrada de artistas e bandas da Bahia. Nos anos noventa, um
novo pagode, com sotaque eletrônico, mas sem perder a essência, também se ouvia
pelas caixas de som da Boate Sândalus.
Nos anos setenta e
oitenta do século passado, aos domingos, bares espalhados ao longo do Mercado
Público tocavam clássicos da música brega e do forró de então, alguns deles
usando pequenas radiolas cujas tampas funcionavam como caixas de som. A
sonoridade peculiar dos discos de vinil ecoava pelas ruas do Centro de Messias
Targino.
Já nos anos noventa do
século passado, se não me falha a memória, os irmãos Francimar e Borges, donos
da Discoteca Irmãos Borges, que se apresentava em Messias Targino e em toda a
região, trataram de abrir o Recantus Bar. A variedade musical era igualmente
boa, e os equipamentos potentes de som levavam aquela diversidade musical pelas
ruas da cidade, sempre aos sábados e domingos, quando o ambiente abria ao
público.
Então cresci ouvindo
músicas de excelente qualidade, e isso nunca nos tirou o sono. Aliás, eu até
dormia melhor quando qualquer desses ambientes estava funcionando.
Na Boate Sândalus, no
período em que Dedeca Jales estava à sua frente, algumas festas-bailes
aconteceram. Sem idade para frequentar esses ambientes, e dada a rigidez de
mamãe, a catequista Maria José de Souza (ou Maria do Junco), eu apenas me
contentava em ouvir nas tardes, que antecediam a cada noite de cada festa, o
ajuste do som das bandas, a famosa passagem de som.
À noite, quando a banda
começava a tocar, eu me deliciava, naquela rede surrada, com os acordes daquela
música feita ao vivo, executada totalmente na hora, sem “playback”.
Já adolescente, na
segunda metade dos anos oitenta em diante, eu podia frequentar, vez por outra,
os bailes que se realizavam na Boate Skorpius, que passou a ser na época a
principal casa de eventos do gênero em Messias Targino.
Na cidade pequena, o
alvoroço começava quando a banda chegava. Era grande a curiosidade de muitos
para ouvir (e se possível presenciar) a passagem do som. Durante a festa, ou o
baile, eu não era o único que dedicava pelo menos vinte ou trinta minutos para
ficar bem em frente à banda, contemplando a execução das músicas que eram
sucesso na época.
Quando a cidade recebia
uma banda de maior expressão na região ou no Estado, a nossa curiosidade
aumentava ainda mais. Conseguir o valor do ingresso e uns trocados a mais para molhar
a garganta e causar leves danos ao fígado era a missão do dia, afinal, a noite
prometia, a festa iria ser boa, e finalmente aquele mês seria diferente para
todos nós.
Nomes como Montagem (de
Natal), Terríveis (de Natal), Impacto Cinco (de Natal), Elo Musical (de
Mossoró), Trepidant´s (de Recife), Circuito Musical (de Caicó), Tártaros (de
Currais Novos), Bárbaros (de Mossoró), dentre outros, eram, para nós, atrações
musicais de excelência. Grafith, então, causou enorme alvoroço quando foi se
apresentar pela primeira vez a Messias Targino, num período em que a banda
ainda tocava o estilo baile e ainda tocava totalmente ao vivo.
Uma vez por ano,
ficávamos à espera da festa de “A Mais Bela Voz”, um concurso de música
promovido pela Rádio Rural de Mossoró e pela Rádio Rural de Caicó em dezenas de
cidades do interior do Rio Grande do Norte. Os ensaios eliminatórios ocorriam à
tarde, ocasião em que os candidatos e a banda tentavam se ajustar. Uns poucos
desafinados já eram eliminados ali mesmo. Os demais iriam se apresentar à
noite. Do ensaio em diante, o povo já escolhia os seus favoritos e já palpitava
sobre o possível ganhador do concurso, que iria representar Messias Targino na
grande final do certame, ocorrida em Mossoró (se a promoção do evento fosse da
Rádio Rural mossoroense) ou em Caicó (se o evento fosse realizado pela Rádio
Rural caicoense).
A boa seresta também fez
parte das nossas vidas. Não existe cidade pequena que, num passado recente, não
tenha sido palco de seresteiros, famosos ou não. Em Messias Targino, o filho da
terra Zé Galego (conhecido em Mossoró como J. Jales) certamente foi o que mais
se apresentou em noites de serestas. Mas tivemos vários outros, inclusive o
fenômeno regional da época, Maguila, que se autodenominou de “O Mago dos
Teclados”.
Getúlio Oliveira Lima (de
saudosa memória), Alísson Araújo, Francisco Eudes, Marquessoel Bezerra Pinto (que
anos à frente se tornaria meu compadre), Robson Pinto (também compadre anos
depois), Genésio Francisco Pinto Neto (“Pola de Edite de Nejo”), Ronielly
Almeida e tantos outros compunham uma turma que gostava dos bailes. Selávamos
amizades sinceras, e juntos, todos ou em parte, gostávamos daquelas noites em
que a pacata cidade se transformava num palco de festa.
Quando fomos admitidos a
frequentar as confrarias de outra geração, passamos a usufruir da excelente
música cantada ao som de violões dedilhados com maestria, ou os teclados
inesquecíveis de Benedito Alves de Medeiros, o popular Bené da Prefeitura.
Reginaldo José de Melo (Régis de Zé Pedro), Nonato Almeida, De Assis Almeida, o
próprio Bené, Almeida (contador), Zé Martins e tantos outros costumavam cantar
nessas confrarias informais, e de tudo se ouvia um pouco (do melhor da música
brasileira). Cresci ouvindo esse
pessoal.
Nessa época, o único
“excesso” que cometíamos era ingerir bebida alcoólica. Éramos felizes com muito
pouco (ou quase nada), e crescíamos levados pelo som das músicas que embalaram
nossos dias e noites de fins de semana, no Bar Chapéu da Bruxa, na Boite
Sândalus, no Recantus Bar, na Boate Skorpius, e em outros poucos outros
ambientes comerciais existentes nessa cidadela, onde todos se conheciam pelos
nomes, apelidos e até pelo gosto musical.
De lá para cá, mudaram-se
os estilos musicais mais tocados, puseram fim aos bailes, muitas das bandas-bailes
desapareceram e umas poucas continuam sobrevivendo à base da insistência, e o técnico
da mesa de som é quem na verdade anda fazendo as apresentações, pois quase
todas as bandas usam o dissimulado arquivo de áudio do tipo VS (virtual studios
ou estúdio virtual).
De lá para cá, alguns
amigos também partiram para o plano espiritual, e a cidade já está
razoavelmente modificada em sua rotina e em seus costumes, e, graças a Deus,
está significativamente mudada para melhor.
De resto, ficaram daquele
tempo a saudade e as boas e verdadeiras amizades, as quais a borracha do tempo
não consegue apagar, pois foram escritas com a tinta da caneta que carrega os
valores de respeito, solidariedade, sinceridade e fraternidade.
Alcimar Antônio de Souza
Advogado e Membro da Associação dos Poetas e Artistas do Junco - APAJ
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