A casa de Sorinho está triste
Domingo, cedo, antes mesmo do raiar do sol, ela
chegava ao Mercado Público de Messias Targino, para abrir o seu pequeno
comércio de venda de alimentos, que a cidade toda conhecia como o “Café de
Áurea”. A cidade acordava junto com ela, naquele burburinho da feira, que
sempre acontecia aos domingos. Feirantes de Messias Targino e também chegados
de outros Municípios, principalmente de Patu, começavam a montar as suas bancas
e barracas de venda, e, entre um trabalho e outro, quase todos iam ao Café de
Áurea, provar da comida caseira que ela preparava com tanto carinho.
O pequeno restaurante era modesto, mas a simplicidade
das suas acomodações contrastava com a grandeza do sabor que Áurea Almeida dava
aos alimentos que preparava. A clientela de Áurea também mostrava a beleza
daquele dom que Deus lhe havia dado. Além do povo mais humilde, autoridades em
geral faziam ali as suas refeições. Padres, então, por lá passaram muitos,
durante anos, durante décadas. José Kruza, Eurico, Antônio, Silvano, Tarcísio,
foram alguns dos religiosos da Paróquia que desfrutaram não apenas da comida,
mas da companhia agradável, simples e sincera de Áurea Almeida, a quem
carinhosamente aprendemos a chamar de “Tia Áurea”, “Madrinha Áurea” ou
simplesmente “Madrinha”.
Ali, no seu Café, tia Áurea não apenas vendia
alimentos. De bom coração, ela também alimentava gratuitamente muitas crianças
da sua família, que aos domingos se dirigiam até lá sabendo que, além da bênção
divina que ela desejava, encontrariam também um prato de comida que, para o
povo pobre deste sertão, na época fazia muita diferença. E eu estava entre
esses meninos que eram bem acolhidos por “Madrinha” todos os domingos.
Fora desse ambiente de trabalho que ela escolheu,
tia Áurea gostava mais ainda de ficar naquele pedaço de terra que lhe sobrou
por herança dos seus pais Manoel Fernandes Jales (“Sorinho”) e Maria Cândida de
Almeida. O Junco de Cima foi um pouco do que restou aos familiares de Sorinho
depois que ele, num gesto de grandeza, doou para a fundação do Povoado do
Junco, hoje Messias Targino, grande parte das terras onde agora se situa a
cidade.
No Junco de Cima, Áurea era feliz perto de muitos
irmãos, sobrinhos e outros parentes. Antônia Almeida, ou “tia Toinha”, sua
companheira inseparável, fez-lhe companhia por toda uma vida. Não teve tempo de
lhe esperar até o fim, pois a morte lhe chegou primeiro.
No Junco de Cima, tia Áurea cuidava das coisas simples do campo, e sempre com muita fé em Deus, era pessoa muito feliz, de bem com a vida.
Aos sábados bem cedo, as irmãs Áurea, Noêmia,
Antônia e Sebastiana se juntavam a outras cristãs-católicas de Messias Targino
e juntas cantavam e rezavam o Ofício de Nossa Senhora das Graças. Da rua se
ouvia o belo coral de vozes que ecoavam do interior da Capela de Nossa Senhora
das Graças. Eram vozes que louvavam a Deus e pediam a sua proteção por
intercessão da Virgem Maria. Fizeram isso por muito tempo, praticamente desde
que o Povoado foi criado até meados dos anos oitenta do século passado.
Por opção de vida pessoal, as irmãs Áurea e Antônia
Almeida preferiram não se casar. Não tiveram filhos biológicos. Mas a vida se encarregou
de lhes dar filhos e uma grande e bonita família. Juntas, foram responsáveis
pela criação de Novinho, filho do irmão Torrola, que teve assim o privilégio de
ter três mães: a biológica e as irmãs Toinha e Áurea.
Paulina, sobrinha das duas inseparáveis irmãs,
filha de Pelópidas Pinto e Sebastiana Maria de Almeida, foi outro maravilhoso presente
na vida de tia Áurea, que lhe adotou cedo como filha e as duas mantiveram, até agora,
essa relação divina e fraterna de mãe e filha.
A essa família se juntaram Luiz, Ismael, Euzélia,
Gabriela, Neto, Rômulo e o nosso querido e saudoso Francisco Tomaz, ou Chico
Tomaz, irmão de Áurea. A casa de Sorinho voltava a ficar cheia, voltava a ter
uma grande família. Ali pertinho, o irmão de Áurea, José Manoel de Almeida, a
esposa Maria das Graças e os filhos Aíla e José Manoel de Almeida Filho também
participavam desse convívio, ao qual se juntou, por muitos anos, o também
saudoso Otoniel Tomaz de Almeida, que, embora tivesse a casa grande dos pais
João Tomaz de Almeida e Ozelita, preferiu ficar perto das tias Áurea e Toinha,
sendo também adotado por elas como mais um filho, tamanho era o carinho que
existia nessa relação familiar.
Quando todos se juntavam, os da casa grande de
Sorinho e os outros da família que chegavam, de longe da casa de Áurea se ouvia
muito barulho, pois nossa família sempre gostou de falar muito e em bom tom;
mas de perto se via muito afeto, muito respeito, muito carinho e uma forte
presença do espírito de família.
Hoje, desde a zero hora, mais uma voz se calou no
Junco de Cima. Mais um, da casa de Manoel Fernandes Jales, foi chamado à outra
vida, depois de uma abençoada existência nesse mundo terreno.
Hoje, depois de noventa e três anos de vida, Áurea
foi se juntar aos pais Manoel Fernandes Jales e Maria Cândida e aos irmãos João
Tomaz de Almeida, Noêmia Maria de Almeida, Francisco Tomaz, Tomaz Manoel de
Almeida, José Manoel de Almeida, Sebastiana Maria de Almeida e Antônia Almeida.
Para a alegria deles, tivemos que ficar tristes, pois, por mais que a morte
seja um evento certo e esperado, ela, com seus mistérios, sempre nos deixa
inconformados, principalmente quando a pessoa chamada para o outro plano é
alguém a quem queremos muito bem.
A partir de hoje, seus irmãos Alcides, Dedé e
Torrola e todos nós, da sua família, além de muitos amigos que conquistastes,
passaremos a sentir a sua ausência.
Conforta-nos, porém, a certeza de que, pela vida
de fé, de temor a Deus, de trabalho e de bom coração que teve Áurea, ela será
recebida pelo Senhor Deus Nosso Pai, e terá, como recompensa, a vida eterna, no
Reino do Céu.
A você, tia Áurea, queremos agradecer, como
família, por toda a atenção e por todo o carinho que sempre teve conosco.
Vá com Deus e descanse na paz
destinada aos justos e às pessoas de bem!
Alcimar Antônio de Souza
Filho de Maria José de Souza (sobrinha de Áurea)
Neto de Noêmia Maria de Almeida (irmã de Áurea)