Os inconformados com a democracia
Mais uma vez, como a UDN em 1963, querem destruir nossas instituições
Editorial do Jornal do Brasil
Em entrevista à Folha de S.Paulo deste
domingo (01/03), o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira destacou um fenômeno
inédito cada vez mais evidente na sociedade brasileira: o ódio dos ricos ao PT
e à presidenta Dilma Rousseff.
Bresser - ex-ministro da Fazenda no governo Sarney e um dos fundadores
do PSDB - está lançando o livro “A construção política do Brasil” (Editora 34) onde analisa a história do país desde a
independência até hoje, com períodos de conflitos e de entendimentos se
alternando.
Segundo ele, o último pacto – que chama de “nacional-popular”, ocorreu
no governo Lula, com grande êxito. Mas para o economista, essa aliança se
desfez nos últimos anos, com a desaceleração do crescimento e os casos de
corrupção.
“A burguesia voltou a se unificar”, destacou Bresser, acrescentando que
o Partido dos Trabalhadores “fez compromissos, mas não se entregou. Continua
defendendo os pobres contra os ricos. O ódio decorre do fato de que o governo
revelou uma preferência forte e clara pelos trabalhadores e pelos pobres”.
Além de ter sido ministro da Economia durante o governo Sarney, Luiz
Carlos Bresser-Pereira comandou o ministério da Administração e Reforma do
Estado e da Ciência e Tecnologia do governo Fernando Henrique Cardoso. Ele
deixou o PSDB em 2011 por motivos ideológicos.
Em setembro de 2014, numa entrevista ao portal Brasil 247, Bresser já havia explicado os motivos de
seu desligamento do partido. Segundo ele, o PSDB deu "uma forte guinada
para a direita, deixou de ser um partido de centro-esquerda, e abandonou a
perspectiva desenvolvimentista e nacional para se tornar um campeão do
liberalismo econômico".
Bresser justificou seu voto em Dilma Rousseff nas últimas eleições
presidenciais levando em conta dois critérios: "quanto o candidato está
comprometido com os interesses dos pobres, e quão capaz será ele e os partidos
políticos que o apoiam de atender a esses interesses, promovendo o
desenvolvimento econômico e a diminuição da desigualdade".
Para Bresser-Pereira, “era preciso escolher entre um candidato
desenvolvimentista e social e um outro candidato liberal, portanto
profundamente contrário aos interesses nacionais, que era o Aécio”. O
economista também citou a volta do udenismo e do golpismo, depois das últimas
eleições.
De fato, a análise de Bresser faz lembrar as passeatas de 1964,
comandadas pela banda de música da UDN de São Paulo e pelo Instituto Brasileiro
de Ação Democrática (Ibad). A diferença de lá para cá é que naquele momento a
população do Brasil era de 50 milhões de habitantes. Hoje, com a má
distribuição de renda que vem das capitanias hereditárias, o Brasil (com uma
população de 200 milhões de habitantes) tem 120 milhões à margem da pobreza.
Esses não têm nada a perder, se houver uma crise maior. Os que têm a perder são
os que estão acima da linha da pobreza.
Os casos de corrupção, como o mensalão e o que atinge agora a Petrobras,
despertaram um ódio de setores mais conservadores, com grande respaldo da
mídia. Mas isso não pode servir de brecha para que se reivindique a queda de um
governo legitimamente eleito.A Petrobras, maior empresa da América Latina e a
que mais investe no mundo também sofre ataques diários nesse espetáculo
midiático.
Numa democracia, a liberdade para que as irregularidades sejam
investigadas é garantida. E isso está acontecendo no Brasil neste momento.
É claro que os responsáveis devem ser punidos, mas a partir de uma
apuração rigorosa, que aponte provas e leve a um julgamento baseado nas leis e
nas garantias constitucionais. As instituições não podem ser atropeladas
apenas para atender à ira de oportunistas que até hoje não aceitam o resultado
do último pleito. Não se trata de defender um partido específico. A
grande questão é defender as instituições da República, que estão sendo
atacadas sistematicamente.
O mundo quebrou em 2008 e apesar de inúmeras previsões sombrias, o
Brasil se manteve de pé. A Espanha está mergulhada numa crise econômica há
anos, muito mais grave do que a situação vivida aqui. Por lá, a taxa de
desemprego já chegou a atingir 25,93%. No Brasil, ficou em 5,3% em janeiro de
2015, de acordo com o IBGE. Apesar disso, setores da mídia fazem alarde.
E os problemas na Espanha não se resumem à economia. Em outubro de 2014,
foram presas 51 pessoas, entre políticos de diferentes partidos, servidores e
empresários que superfaturavam contratos públicos.
Nem a crise econômica, nem os escândalos envolvendo políticos abalaram
as instituições da Espanha. Hoje, o país aguarda as novas eleições, previstas
para novembro deste ano. Tudo será feito pelas vias democráticas. Sem golpismo
e sem o ódio de classe, tão insuflado no Brasil de hoje, como bem observou
Bresser-Pereira em sua entrevista.
Fonte: www.jb.com.br
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