Carta a Papai Noé
Seu moço eu fui um garoto
Infeliz na minha infança
Qui soube que fui criança
Mas pela boca dos outo.
Só brinquei cum gafanhoto
Qui achava nos tabuleiro
Debaixo dos juazeiro
Com minhas vaca de osso
Essas catrevage, sêo moço,
Qui se arranja sem dinheiro.
Quando via um gurizin
Brincando de velocipe
De caminhão e de jipe
Bola, revólver e carrin
Sentia dentro de mim
Desgosto qui dava medo
Ficava chupando o dedo
Chorando o resto do dia
Só pruque eu num pudia
Pegar naqueles brinquedo.
Mas preguntei uma vez
A uns fio dum dôto
Diga, fazendo um favô,
Quem dá isso prá vocês?
Mim respondeu logo uns três
Isso aqui é o presente
Qui a gente é inocente
Vai drumi às vezes nem nota
Aí papai noé bota
Perto do berço da gente.
Fiquei naquilo pensando
Inté o natá chegá
E na noite de natá
Eu fui drumi mim lembrando
Acordei fiquei caçando
Por onde eu tava deitado
Seu moço eu fui enganado
Que de presente o que tinha
Era de mijo uma pocinha
Qui eu mesmo tinha botado.
Saí cum a bixiga preta
Caçando os amigo meu
Quando eles mostraram a eu
Caminhão, carro e carreta,
Bola, revólver, corneta
E trem elétrico inté.
Boneca, máquina de pé,
Mas num brinquei, só fiz vê,
E resolvi escrevê
Uma carta a papai noé.
Papai noé é pecado
Os outro se maltratá
Mas eu vou le recramá
Um troço qui tá errado
Qui aos fio de deputado
Você dá tanto carrin
Mas você é muito ruim
Qui lá em casa num vai
Por certo num é meu pai
Qui num se lembra de mim.
Já tô certo qui você
Só balança o povo seu
E um pobe qui nem eu
Você vê, faz qui num vê
E se você vê, por que
Na minha casa num vem?
O rancho qui a gente tem
É pequeno mas lhe cabe
Será qui você não sabe
Qui pobe é gente também?
Você de roupa incarnada
Colorida, bonitinha,
Nunca reparou qui a minha
Já tá toda remendada
Seja mais meu camarada
Prêu num chamá-lo de ruim
Para o ano faça assim:
Dê menos aos fio dos rico
De cada um tire um tico
E traga um presente pra mim.
Meu endereço eu vou dá
Da casa que moro nela
Moro naquela favela
Qui você nunca foi lá
Mas quando você chegá
Qui avistá uma paioça
Cuberta cum lona grossa
E dois buracão bem grande
E uma porta veia de frande
Pode batê qui é nossa.
Autor: Luiz Campos (poeta e cordelista do RN, já falecido)
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