Torci e chorei. Agora
só torci.
Alcimar Antônio de
Souza
Quando menino,
apaixonado por futebol como a quase totalidade dos garotos da minha idade,
torci pela primeira vez, com compreensão razoável, pela seleção brasileira que
participou da Copa do Mundo de 1982, realizada na Espanha.
Aquele selecionado nacional
era um timaço de muitos craques, desses que andam fazendo falta numa época de
futebol de força, de futebol feio, de futebol movido a dinheiro. Entre outros,
vestiam a camisa amarela do Brasil jogadores como Toninho Cerezo (meio-campista,
volante), Falcão (meio-campista, volante), Sócrates (meio-campista), Zico
(meia-atacante), Éder (atacante, um autêntico ponta-esquerda) e Serginho
(atacante, centroavante).
Após a eliminação para
a Itália, numa emocionante partida que terminou com o placar de 3 a 2 para a “Azurra”,
saí da casa do primo Otoniel Tomaz de Almeida (onde assisti ao jogo juntamente
com dezenas de pessoas, pois havia poucos aparelhos de televisão na cidade) e
busquei um lugar reservado ao lado da casa, unicamente para chorar. Chorei
copiosamente.
Nas eliminações
brasileiras nas Copas do Mundo de 1986 e 1990, ainda chorei, porém menos que
daquela primeira vez.
Vieram os títulos
mundiais de 1994 (o primeiro ao qual assisti) e 2002, com um vice-campeonato
mundial em 1998, em partida final vencida pelos donos da casa da Copa, a França.
Nessa época, eu já
começava a entender melhor como funciona o mundo do futebol. É como um quadro
de arte, que quanto mais você olha de perto, mais vai encontrando defeitos.
Arte, por sinal, era o
nosso futebol. Encantava a todos. Era talento puro. Era espetáculo.
Mas, influenciado pelo
que vem de fora, como se tudo nosso não fosse bom e tudo de outras terras fosse
o melhor, passamos a copiar o futebol duro, de muita força física, de pouca
criatividade que, com uma ou outra exceção momentânea, joga-se na Europa.
Esquecemos os nossos valores reais do mundo da bola, herdados de gerações e
mais gerações de grandes talentos do nosso futebol, como Garrincha, Pelé, Didi,
Amarildo, Clodoaldo, Carlos Alberto, Zico, Sócrates, Falcão, e tantos outros.
Se, noutros tempos, a maior
referência de um time era o seu camisa 10, aquele jogador conhecidamente de maior
talento na equipe, com o passar do tempo essa referência passou a ser o camisa
9, um centroavante de muita força, capaz de romper o bloqueio de zagueiros
tamanho guarda-roupa.
Mais recentemente, para
a decepção de quem gosta do verdadeiro futebol, a estrela dos times passou a
ser o volante, que passou a contar com incrível relevância em qualquer equipe.
Mas não adianta lembrar de volantes talentosos tais como Falcão e Toninho
Cerezo. Para os treinadores brasileiros atuais (copiadores da tendência
mundial), só servem mesmo aqueles volantes mais truculentos, que têm muita
força física mas pouca habilidade com a bola. Desses, os clubes brasileiros e
de fora estão cheios, e lhes pagam verdadeiras fortunas de salários.
Com a maturidade
natural da idade, compreendi também que o futebol deixou de ser diversão,
entretenimento, forma de confraternização e interação entre povos de lugares
distintos. Virou negócio altamente lucrativo para uns poucos. Hoje, qualquer
perna-de-pau que tenha a graça de ser promovido pela mídia ou apadrinhado por
algum treinador que também seja empresário ou tenha conluio como empresários de
jogadores, ganha um contrato de valor bem razoável e com pouco tempo vai jogar
na Europa (sonho de todos), mesmo que demore pouco por lá, quando retorna com status de grande jogador, agora
repatriado a preço ainda maior.
Com a maturidade
natural da idade, compreendi que o futebol passou a ser uma inesgotável fonte
de enriquecimento de canais de televisão, dirigentes de confederações,
dirigentes de clubes e empresários pouco preocupados com o espetáculo que se
espera com a prática do esporte, mas preocupados apenas em faturar mais e mais.
Na Confederação
Brasileira de Futebol – CBF, um grupo familiar tomou assento há décadas, dirigindo
a nossa entidade máxima do futebol, desde os tempos em que ela ainda era a CBD –
Confederação Brasileira do Desporto. E esse grupo de cartolas nunca mais saiu
da CBF, mesmo que sobre ele recaiam acusações e mais acusações.
Nas Federações
estaduais de futebol do Brasil, a ordem é seguir à risca a cartilha da CBF, que
também segue os caprichos da poderosa Rede Globo de Televisão, que tem um
Galvão Bueno capaz de levar ao delírio os mais fanáticos torcedores de futebol,
vendendo-lhes a ilusão de que continuamos a ter o melhor futebol do mundo, de
que somos insuperáveis, de que venceremos sempre, etc. etc. etc.
A mídia, a propósito,
transforma jogadores em super-heróis, dando-lhes um espaço de cobertura nem
sempre concedido aos assuntos do dia a dia que realmente deveriam interessar ao
povo brasileiro.
De arte, o futebol
passou a ser apenas negócio lucrativo, business,
fonte de enriquecimento de uns poucos. De arte, o futebol virou até ciência,
pois o talento dá lugar cada dia mais ao estudo de aspectos do futebol sob o
olhar de métodos científicos, que buscam dar aos atletas resistência e força,
na tentativa de se criar um protótipo ideal de jogador, nivelando-se assim, por
baixo, todos os jogadores.
Além disso, temos uma
gradativa desorganização fora dos campos. São clubes que não investem nas bases
e que devem cifras estratosféricas a órgãos e entidades diversas, ou mesmo a
jogadores; são campeonatos mal organizados, cheios de erros banais; são
arbitragens sempre contestáveis, de péssima qualidade; enfim, são problemas que
cercam o futebol brasileiro desde muito tempo, sem qualquer sinalização de
melhora, pois não se muda algo se não se mudar a sua essência.
Mesmo assim, com todo
esse cenário, nunca deixei de torcer pela seleção brasileira, afinal, como
apaixonado por meu País e como amante à moda antiga do futebol, sempre torcerei
por nossa seleção sempre que ela entrar em campo, mesmo que o faça sob
desconfiança e muitas vezes discordando de esquemas táticos e jogadores
utilizados pelo selecionado local.
A diferença é que,
agora, deixei de chorar quando sobrevém algum revés à seleção brasileira. Fico
triste, resmungo, critico, mas não choro. Não vejo razão para tal. Aquele
grupinho de jogadores que se reuniu sem muito compromisso para vestir a camisa
amarela, logo voltará às suas respectivas equipes, onde salários milionários e
vida luxuosa esperam esses atletas.
Diante da humilhação
sofrida pelo Brasil em derrota para a Alemanha, fracasso este que teve como
responsável principal o arrogante treinador Luís Felipe Scolari (que convocou
mal, que escalou mal a equipe, que não teve humildade para mudar um esquema
tático fragilizado, que não fez as substituições necessárias nos momentos
certos...), fiquei triste, como assim ficaram milhares de brasileiros amantes
do futebol. Mas, ao invés das lágrimas de outrora, meus olhos produziram apenas
a visão de quem já sabe as razões que levaram a essa derrota tão elástica no
placar. A razão superou a emoção, como se isso não fosse possível no apaixonado
mundo do futebol.
Passado o maior momento
de tristeza com a seleção brasileira, é hora de voltar a outro sofrimento no
mundo do futebol. Terminada a Copa, volto ao cotidiano do meu Vasco da Gama,
que, a exemplo de outros gigantes do futebol, também tem sofrido por décadas
com má gestão e incompetência de dirigentes, cujos resultados negativos
refletem diretamente dentro das quatro linhas.
No mais, a vida
continua, com os prazeres e problemas do dia a dia, com a diferença de que, na
maioria das jogadas, somos nós os seus jogadores, responsáveis diretos pelas
derrotas, pelos empates e pelas vitórias no difícil porém necessário jogo da
vida.
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