quinta-feira, 10 de julho de 2014

Opinião

Torci e chorei. Agora só torci.

Alcimar Antônio de Souza

Quando menino, apaixonado por futebol como a quase totalidade dos garotos da minha idade, torci pela primeira vez, com compreensão razoável, pela seleção brasileira que participou da Copa do Mundo de 1982, realizada na Espanha.

Aquele selecionado nacional era um timaço de muitos craques, desses que andam fazendo falta numa época de futebol de força, de futebol feio, de futebol movido a dinheiro. Entre outros, vestiam a camisa amarela do Brasil jogadores como Toninho Cerezo (meio-campista, volante), Falcão (meio-campista, volante), Sócrates (meio-campista), Zico (meia-atacante), Éder (atacante, um autêntico ponta-esquerda) e Serginho (atacante, centroavante).

Após a eliminação para a Itália, numa emocionante partida que terminou com o placar de 3 a 2 para a “Azurra”, saí da casa do primo Otoniel Tomaz de Almeida (onde assisti ao jogo juntamente com dezenas de pessoas, pois havia poucos aparelhos de televisão na cidade) e busquei um lugar reservado ao lado da casa, unicamente para chorar. Chorei copiosamente.

Nas eliminações brasileiras nas Copas do Mundo de 1986 e 1990, ainda chorei, porém menos que daquela primeira vez.

Vieram os títulos mundiais de 1994 (o primeiro ao qual assisti) e 2002, com um vice-campeonato mundial em 1998, em partida final vencida pelos  donos da casa da Copa, a França.

Nessa época, eu já começava a entender melhor como funciona o mundo do futebol. É como um quadro de arte, que quanto mais você olha de perto, mais vai encontrando defeitos.

Arte, por sinal, era o nosso futebol. Encantava a todos. Era talento puro. Era espetáculo.

Mas, influenciado pelo que vem de fora, como se tudo nosso não fosse bom e tudo de outras terras fosse o melhor, passamos a copiar o futebol duro, de muita força física, de pouca criatividade que, com uma ou outra exceção momentânea, joga-se na Europa. Esquecemos os nossos valores reais do mundo da bola, herdados de gerações e mais gerações de grandes talentos do nosso futebol, como Garrincha, Pelé, Didi, Amarildo, Clodoaldo, Carlos Alberto, Zico, Sócrates, Falcão, e tantos outros.

Se, noutros tempos, a maior referência de um time era o seu camisa 10, aquele jogador conhecidamente de maior talento na equipe, com o passar do tempo essa referência passou a ser o camisa 9, um centroavante de muita força, capaz de romper o bloqueio de zagueiros tamanho guarda-roupa.

Mais recentemente, para a decepção de quem gosta do verdadeiro futebol, a estrela dos times passou a ser o volante, que passou a contar com incrível relevância em qualquer equipe. Mas não adianta lembrar de volantes talentosos tais como Falcão e Toninho Cerezo. Para os treinadores brasileiros atuais (copiadores da tendência mundial), só servem mesmo aqueles volantes mais truculentos, que têm muita força física mas pouca habilidade com a bola. Desses, os clubes brasileiros e de fora estão cheios, e lhes pagam verdadeiras fortunas de salários.

Com a maturidade natural da idade, compreendi também que o futebol deixou de ser diversão, entretenimento, forma de confraternização e interação entre povos de lugares distintos. Virou negócio altamente lucrativo para uns poucos. Hoje, qualquer perna-de-pau que tenha a graça de ser promovido pela mídia ou apadrinhado por algum treinador que também seja empresário ou tenha conluio como empresários de jogadores, ganha um contrato de valor bem razoável e com pouco tempo vai jogar na Europa (sonho de todos), mesmo que demore pouco por lá, quando retorna com status de grande jogador, agora repatriado a preço ainda maior.

Com a maturidade natural da idade, compreendi que o futebol passou a ser uma inesgotável fonte de enriquecimento de canais de televisão, dirigentes de confederações, dirigentes de clubes e empresários pouco preocupados com o espetáculo que se espera com a prática do esporte, mas preocupados apenas em faturar mais e mais.

Na Confederação Brasileira de Futebol – CBF, um grupo familiar tomou assento há décadas, dirigindo a nossa entidade máxima do futebol, desde os tempos em que ela ainda era a CBD – Confederação Brasileira do Desporto. E esse grupo de cartolas nunca mais saiu da CBF, mesmo que sobre ele recaiam acusações e mais acusações.

Nas Federações estaduais de futebol do Brasil, a ordem é seguir à risca a cartilha da CBF, que também segue os caprichos da poderosa Rede Globo de Televisão, que tem um Galvão Bueno capaz de levar ao delírio os mais fanáticos torcedores de futebol, vendendo-lhes a ilusão de que continuamos a ter o melhor futebol do mundo, de que somos insuperáveis, de que venceremos sempre, etc. etc. etc.

A mídia, a propósito, transforma jogadores em super-heróis, dando-lhes um espaço de cobertura nem sempre concedido aos assuntos do dia a dia que realmente deveriam interessar ao povo brasileiro.

De arte, o futebol passou a ser apenas negócio lucrativo, business, fonte de enriquecimento de uns poucos. De arte, o futebol virou até ciência, pois o talento dá lugar cada dia mais ao estudo de aspectos do futebol sob o olhar de métodos científicos, que buscam dar aos atletas resistência e força, na tentativa de se criar um protótipo ideal de jogador, nivelando-se assim, por baixo, todos os jogadores.

Além disso, temos uma gradativa desorganização fora dos campos. São clubes que não investem nas bases e que devem cifras estratosféricas a órgãos e entidades diversas, ou mesmo a jogadores; são campeonatos mal organizados, cheios de erros banais; são arbitragens sempre contestáveis, de péssima qualidade; enfim, são problemas que cercam o futebol brasileiro desde muito tempo, sem qualquer sinalização de melhora, pois não se muda algo se não se mudar a sua essência.

Mesmo assim, com todo esse cenário, nunca deixei de torcer pela seleção brasileira, afinal, como apaixonado por meu País e como amante à moda antiga do futebol, sempre torcerei por nossa seleção sempre que ela entrar em campo, mesmo que o faça sob desconfiança e muitas vezes discordando de esquemas táticos e jogadores utilizados pelo selecionado local.

A diferença é que, agora, deixei de chorar quando sobrevém algum revés à seleção brasileira. Fico triste, resmungo, critico, mas não choro. Não vejo razão para tal. Aquele grupinho de jogadores que se reuniu sem muito compromisso para vestir a camisa amarela, logo voltará às suas respectivas equipes, onde salários milionários e vida luxuosa esperam esses atletas.

Diante da humilhação sofrida pelo Brasil em derrota para a Alemanha, fracasso este que teve como responsável principal o arrogante treinador Luís Felipe Scolari (que convocou mal, que escalou mal a equipe, que não teve humildade para mudar um esquema tático fragilizado, que não fez as substituições necessárias nos momentos certos...), fiquei triste, como assim ficaram milhares de brasileiros amantes do futebol. Mas, ao invés das lágrimas de outrora, meus olhos produziram apenas a visão de quem já sabe as razões que levaram a essa derrota tão elástica no placar. A razão superou a emoção, como se isso não fosse possível no apaixonado mundo do futebol.

Passado o maior momento de tristeza com a seleção brasileira, é hora de voltar a outro sofrimento no mundo do futebol. Terminada a Copa, volto ao cotidiano do meu Vasco da Gama, que, a exemplo de outros gigantes do futebol, também tem sofrido por décadas com má gestão e incompetência de dirigentes, cujos resultados negativos refletem diretamente dentro das quatro linhas.

No mais, a vida continua, com os prazeres e problemas do dia a dia, com a diferença de que, na maioria das jogadas, somos nós os seus jogadores, responsáveis diretos pelas derrotas, pelos empates e pelas vitórias no difícil porém necessário jogo da vida.

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