segunda-feira, 6 de abril de 2020

Causo jurídico

Investigação de paternidade com prova reduzida

O saudoso amigo e colega Ribamar Ferreira de Lima, brilhante tribuno do Júri Popular, também se aventurava nas demandas cíveis. Tinha uma longeva atuação advocatícia nos Estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte, e vez por outra ainda atuava aqui e ali fora desses dois Estados.

Vem dele um dos fatos mais inusitados na área do Direito de Família. Na verdade ele não era advogado nem do promovente nem do promovido. Mas, segundo disse, assistiu a tudo porque, na condição de advogado, foi-lhe permitido presenciar os fatos da antessala da audiência até a própria sala da audiência.

Os dados principais, em respeito às partes em litígio e até em obediência à regra processual do segredo de justiça, vamos ocultar. Como se diz no jargão popular, vamos “contar o milagre sem dizer o nome do santo”.

O episódio ocorreu numa dessas pequenas Comarcas do interior da Paraíba. Tratava-se de uma investigação de paternidade. O autor (investigante) já era um garoto crescido, e o réu (investigado) era um senhor de idade já bastante elevada.

Mas, antes de essa investigação virar processo, é preciso esclarecer que, no dia a dia daquela comunidade pequena, o investigante e o investigado já se tratavam como pai e filho.

O problema era que, como o investigante havia nascido fora do casamento do investigado, a esposa deste, certamente como sanção pela traição do marido, não permitia que ele reconhecesse espontaneamente aquela filiação. “Só se fizer o DNA na Justiça”, bradava ela.

Com a moral em baixa e para atender ao capricho da sua senhora, que nunca se conformou com a infidelidade conjugal do seu marido, o investigado comunicou ao investigante que somente lhe daria o sobrenome num registro de nascimento se fosse feito o teste de DNA num processo judicial de investigação de paternidade.

E foi por isso que o menino, adolescente quase rapaz, através da sua genitora resolveu ajuizar uma ação de investigação de paternidade.

No dia da audiência, quando as partes do processo e seus respectivos advogados aguardavam a chamada para ingresso na sala do magistrado, ambos – autor e réu – ficaram meio amuados, fisicamente afastados, inclusive porque havia outras audiências na mesma pauta e também havia outras pessoas acomodadas naquele apertado espaço físico.

Tão logo o oficial de justiça fez o pregão (chamamento das partes para entrarem na sala de audiência), o investigado e seu advogado apressaram-se em entrar na sala do juiz.

O investigante, seguindo a cena, quis também entrar logo. Porém, seu advogado, profissional de décadas de atuação e dono de larga experiência, pegou o investigante pelo braço e impediu que ele entrasse de imediato na sala de audiência. Disse-lhe alguma coisa ao ouvido e somente depois os dois finalmente adentraram no recinto solene.

Assim que ingressou na sala das audiências, o investigante, em atitude aparentemente espontânea, dirigiu-se ao investigado e, repetindo um gesto quase diário, falou em bom tom: “Bença, pai”. E o investigado, ainda mais natural, respondeu-lhe: “Deus lhe abençoe, meu filho”.

O magistrado então resumiu: “Não tenho mais interesse em provas. Se as partes quiserem insistir, fiquem à vontade”.

Diante disso, e somando-se ao fato as enormes aparências físicas entre pai e filho, as partes resolveram por fim ao litígio. Para desgosto da esposa do investigado, o reconhecimento da paternidade aconteceu sem o exigido teste de DNA. Porém, como que em alento, ocorreu num processo judicial.

E ao final das contas, justiça foi feita!

Alcimar Antônio de Souza

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