Em respeito à
democracia, ao ser humano e às convicções cristãs
Desde cedo a minha mãe
Maria José de Souza, ou simplesmente Maria do Junco, fez-me frequentar as aulas
de catecismo que ela mesma lecionava na pequena Capela de Nossa Senhora das
Graças, na minha querida cidade de Messias Targino.
Ser levado à Igreja
desde pequenino me fez passar por diversas de suas pastorais, como catequese,
juventude, Legião de Maria, Cruzada Eucarística e equipes de liturgia. Alguns
desses movimentos pastorais frequentei também em Mossoró, onde morei por anos,
e onde tive continuada a minha formação cristã a partir dos ensinamentos do
casal Edimar Teixeira Diniz e Maria Inês Alves Teixeira.
Quanto a minha mãe
Maria do Junco, a sua folha de atuação em prol da Igreja Católica e, por
conseguinte, da boa formação do ser humano, foi bem maior que a minha. Ela teve
mais de cinquenta anos de dedicação a inúmeros trabalhos pastorais voluntários.
No dia a dia, fora das
aulas de catecismo, ela me ensinava diariamente a sempre procurar fazer o bem,
a agir corretamente e, principalmente, que somente a educação me abriria as
portas para um futuro melhor. Estudar foi sempre uma exigência inarredável de
minha genitora.
Como resultado dessa
formação, tomei por hábito, além de estudar na escola convencional, fazer a
leitura da Bíblia Sagrada, um livro santo que jamais pode ser interpretado pelo
método literal, sob pena de não compreendermos bem o que nele está escrito.
Não me considero o
melhor dos cristãos, pois sou absolutamente ciente de que espiritualmente
preciso melhorar muito, posto que seguir à risca os ensinamentos de Jesus
Cristo é sempre uma tarefa difícil para simples mortais; no entanto, será
sempre uma meta a ser buscada por quem se diz seguidor do Filho de Deus.
Diante de tudo isso,
tenho compreendido, desde cedo, que a crença num Deus único e verdadeiro, representado
para nós cristãos-católicos pela Santíssima Trindade – Deus Pai, Deus Filho e
Espírito Santo -, não pode nos conduzir a sentimentos que não sejam de valorização
e preservação da vida, do amor (a Deus e ao próximo), da compaixão, do humanismo,
da solidariedade, da compreensão, da fraternidade e do respeito.
Como consequência desse
“aprendizado” e em razão da minha origem humilde e negra, adveio-me a
preocupação com outro tema relevante, que está intrinsecamente relacionado àqueles
sentimentos cristãos, que é a busca pela justiça social, mormente num País em
que secularmente existiu um grande fosso social, criador de um apartheid social muito acentuado.
Por tudo isso, passei a
entender que a fé em Deus, muitas vezes restrita à subjetividade de cada um,
deve ser externada por atos que exprimam esses sentimentos nobres, pois de nada
adiantará o pretenso exercício da fé sem uma prática que se assemelhe às
atitudes de Jesus Cristo.
Entretanto, o atual
embate eleitoral estabelecido no País nos tem feito enxergar que a sociedade
brasileira anda dividida, não mais por simples discussões de cunho político,
ideológico, partidário, ou outro assemelhado, mas principalmente pela adoção, por
parte de uma grande parcela do denso tecido social, de sentimentos e
pensamentos extremados de ódio, rancor, violência, falta de humanidade e (por
que não dizer?), falta de Deus na vida de muitas pessoas.
De repente voltou com
mais força um discurso de preconceito racial, puxado por um truculento “líder
político”, que disse que não corria o risco de um dos seus filhos ricos se casar
com uma mulher negra porque, segundo disse, “eles foram muito bem educados”.
Ainda sobre negros, o
mesmo “lider” afirmou que os moradores de quilombos (os quilombolas) não servem
nem para procriar.
Em relação a
homossexuais, ele também externou o seu total desprezo enquanto seres humanos. A
discriminação desse atroz “líder político” motiva seus seguidores a efetivaram,
na prática, atos de violência a esse segmento social.
No que diz respeito às
mulheres, o “novo líder” é de um desprezo absoluto. Chegou a dizer a uma
deputada federal que não a estupraria porque ela é “muito feia”, e noutra
ocasião declarou publicamente que, após ter vários filhos homens, teve uma “fraquejada”
e daí foi gerada uma filha, uma menina, uma mulher.
Seu companheiro de
caminhada política declarou que uma casa em que o filho é criado por mãe e avó é
porta de entrada para coisas ruins. E isso também me tocou profundamente, porque,
após a separação fática de meus pais, fui criado por minha mãe e por minha avó
Noêmia, conjuntamente.
Para quem se diz
cristão, essas posições não se encaixam dentro de um tipo ao menos razoável de
quem pretende realmente seguir Jesus.
Mas aquele “líder político”
vai mais além. Defende um armamento geral da população como forma de se
combater a violência que nos assola, como se violência pudesse ser combatida
com violência, quando se sabe que fé em Deus, práticas cristãs, educação, oportunidades
de trabalho, saúde eficiente, serviço de segurança funcionando bem e inclusão social são as ferramentas ideais para o efetivo combate
a toda e qualquer forma de criminalidade.
O apego desse novo “líder
político” às formas de violência é tão grande que seu símbolo principal de
campanha eleitoral é uma mão em forma de arma de fogo, engatilhada, pronta para
matar.
Exalando violência em
palavras, gestos e atitudes, a nova “liderança” da política nacional disse, em
ato público no Estado do Acre, que iria “metralhar” seus adversários.
Noutra cena pública, tal "liderança" apareceu ao lado de uma criança de pouca idade ensinando a este ser puro de
alma o gesto de segurar e disparar uma imaginária arma de fogo, esquecendo-se
que, quando Jesus disse “deixai vir a mim as criancinhas”, assim o fez justamente
pela pureza desses seres humanos, em contraponto à maldade que reside nos
corações dos adultos.
Mesmo se dizendo
cristão, o novo “líder nacional” disse abertamente que é a favor da ditadura
militar, e somente reclamou do regime das trevas ao dizer que a ditadura
militar deveria ter matado “umas trinta mil pessoas”.
Dentro do seu perfil, o
novo “líder” exaltou claramente a sua admiração pelo coronel Carlos Brilhante
Ustra, apontado como um dos mais cruéis militares do repressivo regime que
(des)governou o Brasil por mais de duas décadas. Há mulheres que relatam terem
sido torturadas por Ustra na presença de filhos pequenos. Isso dói na alma só
de pensar na cena.
Aliás, elogiar os “feitos”
da ditadura militar parece um enorme vacilo para quem se diz cristão e democrático,
numa época em que pessoas ainda procuram seus parentes, mortos pelo regime
militar, para lhes dar um sepultamento digno. É como dar um tapa na cara dos
homens e mulheres de bem desse País que por duas décadas se enfileiraram na
defesa da democracia, no combate à ditadura. Foi pela perda da liberdade e também
da vida de muitas dessas pessoas que conquistamos essa liberdade que temos
hoje.
O reflexo dos atos,
palavras e atitudes do novo “líder político” se vê nas ruas, por todos os
cantos do Brasil: são ameaças expressas a homossexuais e jornalistas contrárias às suas ideias, morte violenta de eleitores
declarados de seu opositor, pintura da suástica (símbolo nazista) em sede de
Igreja Católica e muito ódio exalado nas redes sociais.
O perfil racista,
homofóbico, misógino, preconceituoso e violento do novo “líder nacional” lhe
rendeu, inclusive, elogios de um dos líderes da Ku Klux Klan, aquela
organização sombria dos Estados Unidos da América acusada de perseguir,
torturar e matar negros na terra dos ianques. “Ele pensa como os nossos”, disse
aquele racista norte-americano da Ku Klux Klan.
E diante de tão nefasto
cenário, fico me perguntando se estou isolado nos meus ideais de respeito ao
ser humano, amor à vida, aplauso às liberdades e repúdio total à intolerância. Indago-me se compreendi
errado e sozinho o Evangelho ou se realmente ao cristão se autoriza pensar em praticar
o ódio, a violência, o preconceito (de qualquer natureza), a falta de respeito
e até a morte de seres humanos.
A minha dúvida pessoal
se dissipa quando recordo as palavras duras de minha mãe Maria do Junco, que
mesmo na rigidez de alguns momentos, sempre me ensinou a querer o bem dos
outros, a praticar o bem, a gostar das pessoas, a orar e pedir ao nosso Deus
Todo Poderoso paz, saúde e felicidade para mim, para minha família e para
todos. Não, minha mãe não estava errada naquelas aulas de catecismo, nem nos
ensinamentos de uma vida.
Enfim, o quadro social
atual assusta. Pela primeira vez, depois do “Estado Novo” de Getúlio Vargas
(1937-1945) e da sangrenta ditadura militar de duas décadas, instaurada a
partir de 13 de março de 1964, voltamos a sentir medo. A iminente perda das
liberdades, associada ao receio de um caos social sem precedentes e a uma provável nova ditadura militar, já me tira o
sossego do sono noturno e povoa de temor a mente desse sertanejo de vida
simples, a quem minha mãe sempre deu livros e nunca uma arma de fogo.
Para tranquilizar meus medos, apego-me à história
de nomes que lutaram contra grandes impérios sem fazer uso de qualquer arma
violenta: Jesus Cristo, Mahatma Gandhi e Martin Luther King. Alías, o evangélico
da congregação Batista Luther King foi, na acepção mais genuína da palavra, um
verdadeiro seguidor dos ensinamentos de Jesus Cristo. Como católico, não tenho
nenhum problema de reconhecer as gigantescas qualidades de Luther King.
Enquanto isso, sigo
usando o direito de liberdade de expressão e de manifestação do pensamento de
que ainda disponho, pois não sei se o terei nos dias vindouros.
Rogo a Deus, de coração
puro, que Ele nos proteja!
Alcimar Antônio de Souza
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