domingo, 21 de outubro de 2018

Opinião


Em respeito à democracia, ao ser humano e às convicções cristãs

Desde cedo a minha mãe Maria José de Souza, ou simplesmente Maria do Junco, fez-me frequentar as aulas de catecismo que ela mesma lecionava na pequena Capela de Nossa Senhora das Graças, na minha querida cidade de Messias Targino.

Ser levado à Igreja desde pequenino me fez passar por diversas de suas pastorais, como catequese, juventude, Legião de Maria, Cruzada Eucarística e equipes de liturgia. Alguns desses movimentos pastorais frequentei também em Mossoró, onde morei por anos, e onde tive continuada a minha formação cristã a partir dos ensinamentos do casal Edimar Teixeira Diniz e Maria Inês Alves Teixeira.

Quanto a minha mãe Maria do Junco, a sua folha de atuação em prol da Igreja Católica e, por conseguinte, da boa formação do ser humano, foi bem maior que a minha. Ela teve mais de cinquenta anos de dedicação a inúmeros trabalhos pastorais voluntários.

No dia a dia, fora das aulas de catecismo, ela me ensinava diariamente a sempre procurar fazer o bem, a agir corretamente e, principalmente, que somente a educação me abriria as portas para um futuro melhor. Estudar foi sempre uma exigência inarredável de minha genitora.

Como resultado dessa formação, tomei por hábito, além de estudar na escola convencional, fazer a leitura da Bíblia Sagrada, um livro santo que jamais pode ser interpretado pelo método literal, sob pena de não compreendermos bem o que nele está escrito.

Não me considero o melhor dos cristãos, pois sou absolutamente ciente de que espiritualmente preciso melhorar muito, posto que seguir à risca os ensinamentos de Jesus Cristo é sempre uma tarefa difícil para simples mortais; no entanto, será sempre uma meta a ser buscada por quem se diz seguidor do Filho de Deus.

Diante de tudo isso, tenho compreendido, desde cedo, que a crença num Deus único e verdadeiro, representado para nós cristãos-católicos pela Santíssima Trindade – Deus Pai, Deus Filho e Espírito Santo -, não pode nos conduzir a sentimentos que não sejam de valorização e preservação da vida, do amor (a Deus e ao próximo), da compaixão, do humanismo, da solidariedade, da compreensão, da fraternidade e do respeito.

Como consequência desse “aprendizado” e em razão da minha origem humilde e negra, adveio-me a preocupação com outro tema relevante, que está intrinsecamente relacionado àqueles sentimentos cristãos, que é a busca pela justiça social, mormente num País em que secularmente existiu um grande fosso social, criador de um apartheid social muito acentuado.

Por tudo isso, passei a entender que a fé em Deus, muitas vezes restrita à subjetividade de cada um, deve ser externada por atos que exprimam esses sentimentos nobres, pois de nada adiantará o pretenso exercício da fé sem uma prática que se assemelhe às atitudes de Jesus Cristo.

Entretanto, o atual embate eleitoral estabelecido no País nos tem feito enxergar que a sociedade brasileira anda dividida, não mais por simples discussões de cunho político, ideológico, partidário, ou outro assemelhado, mas principalmente pela adoção, por parte de uma grande parcela do denso tecido social, de sentimentos e pensamentos extremados de ódio, rancor, violência, falta de humanidade e (por que não dizer?), falta de Deus na vida de muitas pessoas.

De repente voltou com mais força um discurso de preconceito racial, puxado por um truculento “líder político”, que disse que não corria o risco de um dos seus filhos ricos se casar com uma mulher negra porque, segundo disse, “eles foram muito bem educados”.

Ainda sobre negros, o mesmo “lider” afirmou que os moradores de quilombos (os quilombolas) não servem nem para procriar.

Em relação a homossexuais, ele também externou o seu total desprezo enquanto seres humanos. A discriminação desse atroz “líder político” motiva seus seguidores a efetivaram, na prática, atos de violência a esse segmento social.

No que diz respeito às mulheres, o “novo líder” é de um desprezo absoluto. Chegou a dizer a uma deputada federal que não a estupraria porque ela é “muito feia”, e noutra ocasião declarou publicamente que, após ter vários filhos homens, teve uma “fraquejada” e daí foi gerada uma filha, uma menina, uma mulher.

Seu companheiro de caminhada política declarou que uma casa em que o filho é criado por mãe e avó é porta de entrada para coisas ruins. E isso também me tocou profundamente, porque, após a separação fática de meus pais, fui criado por minha mãe e por minha avó Noêmia, conjuntamente.

Para quem se diz cristão, essas posições não se encaixam dentro de um tipo ao menos razoável de quem pretende realmente seguir Jesus.

Mas aquele “líder político” vai mais além. Defende um armamento geral da população como forma de se combater a violência que nos assola, como se violência pudesse ser combatida com violência, quando se sabe que fé em Deus, práticas cristãs, educação, oportunidades de trabalho, saúde eficiente, serviço de segurança funcionando bem e inclusão social são as ferramentas ideais para o efetivo combate a toda e qualquer forma de criminalidade.

O apego desse novo “líder político” às formas de violência é tão grande que seu símbolo principal de campanha eleitoral é uma mão em forma de arma de fogo, engatilhada, pronta para matar.

Exalando violência em palavras, gestos e atitudes, a nova “liderança” da política nacional disse, em ato público no Estado do Acre, que iria “metralhar” seus adversários.

Noutra cena pública, tal "liderança" apareceu ao lado de uma criança de pouca idade ensinando a este ser puro de alma o gesto de segurar e disparar uma imaginária arma de fogo, esquecendo-se que, quando Jesus disse “deixai vir a mim as criancinhas”, assim o fez justamente pela pureza desses seres humanos, em contraponto à maldade que reside nos corações dos adultos.

Mesmo se dizendo cristão, o novo “líder nacional” disse abertamente que é a favor da ditadura militar, e somente reclamou do regime das trevas ao dizer que a ditadura militar deveria ter matado “umas trinta mil pessoas”.

Dentro do seu perfil, o novo “líder” exaltou claramente a sua admiração pelo coronel Carlos Brilhante Ustra, apontado como um dos mais cruéis militares do repressivo regime que (des)governou o Brasil por mais de duas décadas. Há mulheres que relatam terem sido torturadas por Ustra na presença de filhos pequenos. Isso dói na alma só de pensar na cena.

Aliás, elogiar os “feitos” da ditadura militar parece um enorme vacilo para quem se diz cristão e democrático, numa época em que pessoas ainda procuram seus parentes, mortos pelo regime militar, para lhes dar um sepultamento digno. É como dar um tapa na cara dos homens e mulheres de bem desse País que por duas décadas se enfileiraram na defesa da democracia, no combate à ditadura. Foi pela perda da liberdade e também da vida de muitas dessas pessoas que conquistamos essa liberdade que temos hoje.

O reflexo dos atos, palavras e atitudes do novo “líder político” se vê nas ruas, por todos os cantos do Brasil: são ameaças expressas a homossexuais e jornalistas contrárias às suas ideias, morte violenta de eleitores declarados de seu opositor, pintura da suástica (símbolo nazista) em sede de Igreja Católica e muito ódio exalado nas redes sociais.

O perfil racista, homofóbico, misógino, preconceituoso e violento do novo “líder nacional” lhe rendeu, inclusive, elogios de um dos líderes da Ku Klux Klan, aquela organização sombria dos Estados Unidos da América acusada de perseguir, torturar e matar negros na terra dos ianques. “Ele pensa como os nossos”, disse aquele racista norte-americano da Ku Klux Klan.

E diante de tão nefasto cenário, fico me perguntando se estou isolado nos meus ideais de respeito ao ser humano, amor à vida, aplauso às liberdades e repúdio total à intolerância. Indago-me se compreendi errado e sozinho o Evangelho ou se realmente ao cristão se autoriza pensar em praticar o ódio, a violência, o preconceito (de qualquer natureza), a falta de respeito e até a morte de seres humanos.

A minha dúvida pessoal se dissipa quando recordo as palavras duras de minha mãe Maria do Junco, que mesmo na rigidez de alguns momentos, sempre me ensinou a querer o bem dos outros, a praticar o bem, a gostar das pessoas, a orar e pedir ao nosso Deus Todo Poderoso paz, saúde e felicidade para mim, para minha família e para todos. Não, minha mãe não estava errada naquelas aulas de catecismo, nem nos ensinamentos de uma vida.

Enfim, o quadro social atual assusta. Pela primeira vez, depois do “Estado Novo” de Getúlio Vargas (1937-1945) e da sangrenta ditadura militar de duas décadas, instaurada a partir de 13 de março de 1964, voltamos a sentir medo. A iminente perda das liberdades, associada ao receio de um caos social sem precedentes e a uma provável nova ditadura militar, já me tira o sossego do sono noturno e povoa de temor a mente desse sertanejo de vida simples, a quem minha mãe sempre deu livros e nunca uma arma de fogo.

Para tranquilizar meus medos, apego-me à história de nomes que lutaram contra grandes impérios sem fazer uso de qualquer arma violenta: Jesus Cristo, Mahatma Gandhi e Martin Luther King. Alías, o evangélico da congregação Batista Luther King foi, na acepção mais genuína da palavra, um verdadeiro seguidor dos ensinamentos de Jesus Cristo. Como católico, não tenho nenhum problema de reconhecer as gigantescas qualidades de Luther King.

Enquanto isso, sigo usando o direito de liberdade de expressão e de manifestação do pensamento de que ainda disponho, pois não sei se o terei nos dias vindouros.

Rogo a Deus, de coração puro, que Ele nos proteja!

Alcimar Antônio de Souza

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