segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Opinião

Hipocrisia midiática

Paulo Afonso Linhares*

O mais genial e ácido dos jornalistas norte-americanos, H. L. Mencken, em trecho de artigo escrito há mais de oitenta anos e posteriormente publicado no seu intrigante “O Livro dos Insultos”, afirma que “todo o jornalismo sadio nos Estados Unidos (sadio no sentido de que floresce espontaneamente, sem precisar de auxílio externo) baseia-se firmemente em inventar e destruir papões. Assim como a política. E assim como a religião. O que reside sobre esta impostura fundamental é uma artificialidade, um brinquedo de homens com mais esperanças do que bom senso. O jornalismo inteligente e honesto, assim como a política inteligente e honesta, e até mesmo a religião inteligente e honesta — são coisas que não têm lugar numa sociedade democrática.” Sem tirar nem pôr uma vírgula que seja desta dura, mas, realista, assertiva, é inegável sua atualidade no Brasil atual, sobretudo, diante de uma falsa ética e fingida neutralidade política dos veículos de comunicação de modalidades diversas, fazendo cada um deles “dez vezes mais sinuoso, hipócrita, velhaco, enganador, farisaico, tartufista, fraudulento, safado, escorregadio, inescrupuloso, pérfido, indigno e desonesto”, para usar palavras do mesmo Mencken na obra citada.

Essas péssimas qualidades do jornalismo brasileiro se evidenciam mais nas temporadas em que ocorrem eleições, porquanto os grandes veículos de comunicação, sejam os tradicionais jornalões do sudeste brasileiro, sejam as redes de televisão, suposta e fingidamente vestidos com mantos de neutralidade jornalística, na busca devotada “à verdade, a toda a verdade e nada mais que a verdade,” tomando emprestado outra frase de Mencken. Tudo hipocrisia com auxílio da própria legislação que rege a propaganda eleitoral no Brasil, que cria um artificioso ambiente igualitário para candidatos e partidos que participam das campanhas eleitorais.

Embora a neutralidade (verdadeira) dos veículos de comunicação seja preferível, ao menos neste aspecto a imprensa norte-americana está vários passos adiante da nossa: já se tornou um costume a adesão pública de grandes conglomerados midiáticos às candidaturas em jogo nas eleições presidenciais, posturas essas orientadas pela postura ideológica de cada veículo, i.e., um jornal  marcadamente republicano acosta-se em regras ao candidato do Partido Republicana, e o democrata idem, contudo, sem perder a postura crítica, profissional e imparcial essenciais à prática do bom jornalismo. Assim, a circunstância de assumir um das candidaturas presidenciais não será impeditivo às publicações de fatos, opiniões ou pesquisas de opinião desfavoráveis à candidatura presidencial assumida pelo veículo de comunicação.

Em estágio bem inferior estão as empresas midiáticas brasileiras, dos pequenos jornalecos e emissoras de rádio e televisão implantados nos grotões deste país continental às poderosas estruturas empresariais de comunicação do eixo Rio-São Paulo, que se encastelam em rigorosa (e não menos falsa!) neutralidade política, embora demonstrem na prática enorme facciosidade e práticas jornalísticas deploráveis, como a de formular graves acusações a personalidades da política, do mundo empresarial e artístico sem qualquer elemento probatório minimamente confiável. É nesse diapasão que segue a Veja, revista semanal da Editora Abril, os jornais Folha e o Estado de São Paulo, o jornal "O Globo", além das diversas networks televisivas, em especial a Rede Globo de Televisão.

Claro, embora encham as burras com dinheiro da propaganda de órgãos públicos federais e empresas controladas (Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal etc), sistematicamente esculhabam com o "governo do PT", raivosamente e sem trégua possível. Agem, aliás, como se formassem uma agremiação política - profundamente atrasada e conservadora ao extremo - cujos filiados seriam veículos de comunicação e não apenas pessoas, cujos objetivos seriam defender seus interesses corporativos e a hegemonia da mesma elite política que há pouco mais de quinhentos anos desembarcou das caravelas portuguesas no lugar chamado de Porto Seguro, na Bahia, e que, desde então se mantém no controle do Estado, da sociedade e das riquezas da nação com imposição de um silencioso apartheid social que mantém mais de sessenta por cento da população brasileira abaixo da linha de pobreza.

Emblemática tem sido a (facciosa) postura da Rede Globo de Televisão que, diante da inerme candidatura de Aécio Neves, resolveu apostar todas as suas fichas em Marina Silva, a Batiguel do Seringal, para impedir a reeleição de Dilma Rousseff. Exemplo disto foram as entrevistas feitas com estes "principais candidatos", no programa Bom Dia Brasil: após expor ritual de suposta imparcialidade, sobretudo com a marcação de tempos iguais (30 minutos para cada candidato) e sorteio na ordem de apresentação, os entrevistadores (Chico Pinheiro, Ana Paula Araújo e Miriam Leitão) desceram a chibata em Dilma - que foi seguidamente interrompida e quase impedida de responder a avalanche de perguntas e questionamentos -, castigaram Aécio só um pouquinho, para disfarçar, e levantaram a bola vergonhosamente para Marina Silva. Uma lastimável demonstração  de parcialidade e mau jornalismo que em nada ajudam no aperfeiçoamento da democracia e das instituições políticas nacionais. Por essas matérias, jamais a velha Globo receberá mais um Emmy Internacional, o prêmio máximo da TV mundial. Esperamos.

Paulo Afonso Linhares é advogado, professor da UERN, jornalista, ex-Defensor Geral do Estado do RN e ex-Secretário Municipal de Educação de Mossoró

Fonte: www.thurbay.com

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