Brincar é preciso!
Alcimar Antônio de
Souza
Nesses dias a minha
pequena Maria Rita, uma das paixões da minha vida, contava-me a história infantil
dos Três Porquinhos. Do alto da sua ingenuidade surgiu uma interpretação no
mínimo curiosa sobre o conto que um dia já colocou muitas crianças para dormir.
Segundo ela, o Lobo não é mau, pois apenas queria “fazer amizade” com os
Porquinhos. Estes, sim, seriam os vilões da historinha, pois, segundo compreendeu
Maria Rita, eles, os Porquinhos, é que não deixavam que o Lobo entrasse na sua
casa.
Além dos contos
infantis, que sua tia Glória sempre lhe conta, Maria Rita também gosta de
brincar com suas bonecas e, se deixar, passa o dia inteiro de frente ao
televisor, vendo desenhos animados na TV ou produzidos em DVD´s. De “Dora,
Aventureira” a “Moranguinho”, passando pela “Galinha Pintadinha”, já conheço
vários personagens, de tão repetitivos na vida dela.
No entanto, diferentemente
do que fazíamos antigamente, as brincadeiras infantis e as coisas que realmente
deveriam interessar a Maria Rita e a outras crianças de sua tenra idade andam
perdendo espaço. A internet e o telefone celular invadiram as nossas vidas de
forma tal que, agora, está difícil de obter um necessário recuo.
É claro que buscamos
controlar, fiscalizar e até impedir o uso desses equipamentos, de forma
imoderada, por nossos pequenos rebentos. A tarefa, porém, não é das mais
fáceis, afinal, nascemos e fomos criados noutras épocas, em que no máximo, quando
muito, conhecíamos a televisão e o telefone convencional. Os mais “abastados”,
quando crescidos, iam ao cinema. Então, não fomos preparados no passado para
sermos pais e mães de gerações que vivem num mundo totalmente diferente daquele
em que vivemos um dia.
Chegado mais um Dia das
Crianças, bateu-me a saudade nostálgica dos tempos em que realmente brincávamos
como crianças. Os meninos jogavam futebol em qualquer canto de rua, que logo se
transformava num animado campinho; tomavam banho de açude; “roubavam” as
carajanas, as mangas e outras frutas de quem, tendo-as, não as quisesse dar;
bonecos em miniatura e carrinhos eram engenhosamente inseridos em cenários
imaginários de pequenas cidades ou palcos de guerras, nas quais o bem – e somente
ele – sempre triunfaria.
Além das bolas de
futebol, tão raras naquela época, pedalar uma bicicleta ou subir num jegue mais
manso eram também animadas diversões para quem não tinha outra preocupação
senão a de ser feliz.
E as “bilas”, quem não
lembra? Há anos atrás, qual o menino, quando criança nesse sertão de meu Deus,
nunca fez três buracos no chão, ou um triângulo na areia, para jogar com as
disputadas bilas, que nos livros infantis da época, produzidos no Centro-Sul do
País, eram chamadas de bolas de gude?
Nos tempos mais
difíceis, carrinhos e cavalos feitos de ossos de animais já eram suficientes
para a nossa alegria. Era brincadeira pura. E, entre uma e outra brincadeira,
sempre conversávamos muito, e até brigávamos, como naturalmente brigam as
crianças, a quem Deus deu o incrível dom do perdão rápido, da desculpa sincera,
da reconciliação natural.
Carrinhos de rolimãs eram instrumento de luxo para as brincadeiras. Garrafas de água sanitária se transformavam em réplicas de roladeiras, aquele equipamento rudimentar utilizado até tempos desses para o transporte de água nas terras áridas do sertão nordestino.
As meninas sempre
tiveram nas bonecas as primeiras amigas. E muitas vezes brigavam com as amigas
da vida real em função de tais bonecas. Mas, no geral, eram felizes. Brincavam
como crianças. Faziam suas casinhas, inventavam de cozinhar, produziam “desfiles
de moda”, enfim, brincavam de verdade.
Na calçada da Capela de
Nossa Senhora das Graças, no centro de Messias Targino, mesmo após as duras
aulas de catecismo de minha mãe, Maria do Junco, havia lugar para as
brincadeiras. Uma grande roda se formava, e cantigas como “Terezinha de Jesus”,
“Atirei o pau no gato” e o “Cravo e a rosa” eram entoadas com muita
naturalidade.
Mas “Terezinha de Jesus”
foi “aposentada” para as crianças de hoje, que, via celular, pela internet ou
mesmo pelos recantos da cidade, são induzidas a aprender as “letras” do “lek
lek” e de várias pornografias musicais que animam as festas.
A propósito, também
havia festas só para crianças por essas bandas. Nos carnavais, as tardes de
folia, então chamadas de matinês (embora já não fosse manhã), eram dedicadas
exclusivamente à criançada, que se divertia de forma genuína. Hoje, em qualquer
festa de rua, um sujeito metido a cantor pergunta: “Tem rapariga aí?”, sem ter
a preocupação de saber se ali, no local da festa, há ou não crianças,
adolescentes, pessoas que, pela idade, ainda carecem de uma formação
educacional, social, cultural.
E, para essas crianças
e adolescentes, o que começa a aparecer como normal, de tanto ouvirem nos palcos,
nos paredões de som ou na internet, é o estímulo ao “novo estilo de vida”, de “cabra
desmantelado”, “cachaceiro” e “raparigueiro”, expressões usadas e abusadas em
quase todas as letras de gravações que recebem da mídia capitalista o nome de
música.
Naquela época, a
brincadeira de “Tô no poço” era a mais ousada que tínhamos. E, justamente pela
falta de malícia de quem dela participava, nossos pais sequer a repreendiam,
pois entendiam que se tratava de mais uma simples brincadeira de crianças que
estavam em fase de migração para a adolescência. Aliás, nessa época não existia
uma lei dizendo que criança é quem tem até doze anos e adolescente é quem tem
de treze a dezoito incompletos. Até nesse aspecto éramos criança mais tempo.
Atualmente, encontrar
crianças brincando, como crianças, é praticamente uma exceção. Em geral, vemos
nossos pequenos de frente ao computador, ou com os olhos grelados na tela de um
celular, ou disputando jogos eletrônicos. Nem o antigo “vídeo game” tem mais
espaço em meio a tantas modernidades.
E, sem termos ainda a
pedagogia correta para lidar com a situação, ou sem atentarmos para o real
perigo que dele decorre, assistimos a uma invasão dos nossos lares pelo
fenômeno que é a internet. Amigos, agora, só virtuais! Conversas, agora, só
pelas redes e grupos “sociais” virtuais! Conselho? No campo virtual não há
espaço para ele.
E, dessa forma, nossos
lares vão se transformando em centros coletivos de acesso à internet, onde as
conversas de família foram abolidas e as brincadeiras de criança simplesmente
perderam importância.
12 de outubro novamente
chegou. 12 de outubro novamente nos faz lembrar que no mundo ainda existem
crianças. Acordemos. Façamos com que as nossas crianças se comportem como tais.
A tecnologia é relevante e até necessária, mas não pode substituir o abraço
apertado, a conversa franca, o riso compartilhado do mundo real, a brincadeira sadia
e gostosa dos pequeninos.
E, se for presentear o
seu filho em mais um Dia das Crianças, sugiro que lhe dê, além de muito
carinho, um brinquedo qualquer. Evite agora presentear-lhe com um aparelho de
telefone celular ou um equipamento tecnológico de última geração. Do contrário,
poderemos num futuro breve não termos mais no calendário o Dia das Crianças. Do
contrário, poderemos contribuir para que, num futuro não distante, o tempo de
vida considerado como sendo de criança seja ainda mais reduzido.
A todos os pequeninos
e pequeninas, feliz Dia das Crianças! Que Deus os abençoe!
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